A Arte é a palavra que respira no dicionário, Que se esmera num livro de poesia. É a sílaba pronunciada no silêncio plenário, Que a natureza demonstra por magia.
É o gemido de um piano sonâmbulo, Que persegue, na noite, o sonhador. É uma sóbria aresta de um triângulo, Que a trigonometria desvenda sem pudor.
A Arte é uma lágrima no oceano Dissipada por um anjo enfadonho; É o sémen do amor mundano Plantado nas planícies do sonho.
A Arte é a palavra transfigurada numa rosa, Que transcende os feitiços do anoitecer. É a casta beleza da poesia narrada em prosa, Que interpela o sonhador ao amanhecer. Texto de João Garcia Barreto Fotografia de Autor Desconhecido Um poema escrito no ano 2004
Inverno não era mais do que um estrangeiro que estagiava em Lisboa durante três meses na era habitual e andava sempre ao ritmo do pêndulo de um relógio. Anunciou a sua chegada com o seu jeito genuíno, despedindo-se do Outono e assustando a velha cigarra. Parece que degustava o primeiro dia que passava no âmago lisbonino. No dia seguinte, acordou tarde. Sentia-se um torpor indolente. Pegou na pequena alcofa que acarretou do Universo e abraçou o dia. Deambulou no Chiado que estremecia ao vê-lo passar e parou n’A Brasileira, onde cavaqueou com o poeta que se deleitava, como sempre, sentado à mesa da esplanada: - Falta cumprir-se Portugal! – dizia incessantemente o poeta. - Deves ter razão, caro amigo – respondia, desta forma, o Inverno. O dia anoiteceu e o Inverno abandonou o poeta que insistia na mesma afirmação. Desceu pela Rua Garrett em direcção ao Rossio e passou as últimas horas na Avenida da Liberdade. De madrugada, entrou sorrateiramente na maternidade, sibilando uma canção de embalar. Colocou minuciosamente a pequena alcofa numa cadeira junto à mesa de cabeceira do quarto que, fortuitamente, escolheu e pousou o rebento nos longos esteiros de uma mulher. João Garcia Barreto Aos meus pais pelo nascimento do primeiro filho...
As palavras escasseiam neste pedaço de papel nu. O que fazer, quando existem inúmeras coisas por dizer? O que dizer, quando a saudade contorna a ternura da candura do teu olhar em mim? A alma revela-se, inefavelmente, na terna ausência, onde respiro o ar legado pela atmosfera, enquanto este pedaço de papel se transfigura num simples gesto. E os sonhos corroboram a filantropia que transborda de mim. O que fazer, quando há mil e uma coisas por esbanjar? O que dizer, quando a eternidade tatua o tempo na alma doce e calma? O âmago imuniza, indelevelmente, o beijo e o abraço do regaço de quatro noites demoradas, enquanto este pedaço de papel é tudo aquilo que possuo para te lembrar...
Onde estiveres, eu estou Onde tu fores, eu vou Se tu quiseres Assim, Meu corpo é o teu mundo, Um beijo um segundo, És parte de mim.
Para onde olhares Eu corro, Se me faltares Eu morro Quando vieres, Distante Solto as amarras, E tocam guitarras por ti como dantes.
Agarra-me esta noite, Sente tempo que eu perdi, Agarra-me esta noite, Que amanhã não estou aqui, Agarra-me esta noite, Sente tempo que eu perdi, Agarra-me esta noite, Que amanhã não estou aqui.
Texto de Pedro Abrunhosa Fotografia de João Garcia Barreto