Só de pensar amor, como se o procurasse,
encheram-se-me os olhos de humidade.
Exactamente os mesmos olhos, a mesma fonte, se buscasse
fitá-los na outra face,
do ódio, da violência, da impiedade.
Porquê, lágrimas tudo?
Faz chorar o menino quando nasce,
e o homem quando morre.
E a desumana voz que grita: Faça! - e faz-se,
e a outra, a que nos fala, e em doce tom discorre.
E as equações diferenciais do espaço,
e os três metros quadrados de uma cela.
E a truculenta família do palhaço,
e a fétida ninhada da cadela.
E as aguarelas frescas da manhã,
e o lápis de carvão da sombra traiçoeira.
E os burgueses do Rodin,
e os robertos da feira,
e a Capela Sistina,
e os bonecos de barro de Barcelos,
e a menina de vidro, opalescente e fina,
e a velha bruxa de excrementos nos cabelos.
Tudo, lágrimas tudo.
Porquê, lágrimas tudo?
António Gedeão
3 comentários:
E as lágrimas que afloram ao ler este poema...
O genial Gedeão, único e doce!
O "mistério" está em ver o mundo sem lágrimas...
As lágrimas que tantas vezes são o único paralelismo entre o pensar-se a morte logo saber-se que se vive.
C.
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