domingo, dezembro 23, 2007
Pêndulo III
Tento compreender os breves instantes legados pelo pêndulo em cada segundo que passa e percebo que subsiste, endogenamente, um tempo que perdura em cada canção que escrevo no tempo que vivo agora até ao tempo que se demora.
Porém, nasci num breve instante e, à medida que o tempo evanesce, sei que a vida não é mais do que um momento, cuja duração é efémera e, paradoxalmente, perene por ser parte de alguém...
A quem faz parte de mim...
sábado, dezembro 01, 2007
A Vida - A Arte Perene
No nosso planeta em movimento;
É a voz que se esmera
Nas teias de um amor sedento.
A Vida é o apelo escrito no mural
Pelo povo oculto na ausência de expressão;
É o manifesto do vulgo que craveja
Nas ruas em que se desenrola a revolução.
A Vida é a resistência de quem padece
Debaixo da intempérie da guerra,
De quem se imuniza no sonho indelével
Mesmo quando o dia encerra.
João Garcia Barreto
sábado, novembro 17, 2007
Fada do Tempo
Talvez sejas dona do tempo e saibas inverter sortilégios… De que terno sonho vieste? De que eterno conto surgiste?
Insurgiste-te nos nefastos pesadelos, que me corroíam inexoravelmente, cobrindo-me com um invólucro feérico. Cristalizaste o tempo no meu âmago estrógeno e ofereceste-me hipérboles, metonímias e metáforas sem fim. Com as tuas asas, sou dono do céu… De que noite irrompi? De que sonho renasci? Talvez de ti, Fada do Tempo…
Obrigado, Mãe…
domingo, novembro 04, 2007
Âmago
A cada sombra que vês,
Onde devoras o perfume lascivo
Do vento do ensejo na tez.
Beijas-me nas palavras que dizes
Em cada lugar que passas
E a avenida desentedia-se na canção
Do tempo eterno que abraças.
E suspiro enquanto suspiras...
E respiro quando respiras...
E, na cidade cansada,
O âmago que balança,
Ao ver-te, sorri...
E o corpo que baila
No Mundo que dança
Por ter-te aqui...
João Garcia Barreto
A ti, minha alma gémea...
Poema registado na Sociedade Portuguesa de Autores
sábado, novembro 03, 2007
Doce Ensejo
E a mão aberta que se quer fechar,
Enquanto dançamos na avenida
Antes da manhã regressar...
Desvendo o desejo que se oculta em ti
Na solidão das palavras que recitas
E prendo-me nas teias dos sorrisos
Que, na avenida, dissipas.
E a noite evanesce...
E o tempo permanece em mim...
E se a Lua adormecer,
Sei que me beijas ao amanhecer...
E se o Sol despertar,
Sei que a mão se vai fechar...
Sibila na avenida o doce desejo,
Que se oculta no sopro do vento
E persigo as palavras que soltas
No ledo balanço do momento.
João Garcia Barreto
segunda-feira, outubro 22, 2007
Ledo Hiato
De tez macia e lasciva,
Sorris à noite, no quarto, onde matizas a Primavera.
Disseminas, no soalho, as flores que amas
E escreves o adágio na atmosfera.
Semeias o viço das açucenas
E das puras acácias no Universo.
Prendes-me num beijo de uma semibreve
E estendo-me num esteiro de um verso.
E deixas-te ficar no ledo hiato,
Onde bailam anjos num silêncio lauto...
De tule pardo e liso,
Vagueias à noite, no quarto, onde o tempo permanece.
Contornas levemente a sombra que vês
E desenhas a Lua que evanesce.
Semeias o viço dos miósotis
E das puras azáleas na Utopia.
Enleias-me no regaço de um leito de seda
E perduro nos braços da Poesia.
E deixas-te ficar no ledo hiato
Onde bailam anjos num silêncio lauto...
Cedo-te a sidra no remanso dourado,
Cedes-me o suco de essência melada,
Brindamos ao Infinito num só trago...
Bebemos a seiva eternizada
Que produzes no quarto contemplado,
Onde deambulamos de mão dada.
E deixas-te ficar no ledo hiato,
Onde bailam anjos num silêncio lauto...
E deixas-te ficar aqui...
João Garcia Barreto
Fotografia de João Garcia Barreto
quinta-feira, outubro 18, 2007
Palavras Nunca Antes Ditas
Tudo o que se sobressai da utopia que advogo
Não é mais do que um substrato do tempo que vivi,
Como a lágrima vertida na atmosfera onde vogo
Não é mais do que um piano pungente que tange por ti…
E as mãos que, na solidão, se intimidam,
Que se desertificam aquando o tempo evanesce
Não são mais do que as palavras nunca antes ditas
E veladas num âmago isolado que entorpece…
Por isso, vem… que a saudade não desvanece…
Vem… que o tempo permanece…
E prende-me em ti…
Tudo o que se ocultava no silêncio temível
Não era mais do que a soturna certeza
Que teimava em calcular pela matemática falível
Nos teoremas esotéricos da imensurável natureza.
E se, novamente, me vires assim, imerso no pensamento,
Pensa que emergi do livro do cepticismo filosófico
Escrito pelas mãos da poesia na candura do tempo
E do exagero desenfreado de um amor platónico.
Por isso, vem… que a saudade não desvanece…
Vem… que o tempo permanece…
E prende-me em ti…
João Garcia Barreto
quinta-feira, outubro 11, 2007
Esquissos
Numa folha em branco,
Matizo o sorriso que improvisas no jardim
E pinto a silhueta dos gestos das mãos brandas
E dos lábios frios que pousas em mim...
Numa folha em branco,
Realço o sexto sentido que, aqui, reconheces,
E rasuro o tempo que lateja nas mãos abertas
Que revelam aquilo que só tu conheces.
E, na noite, desenho o Mundo
Que forjámos num beijo profundo...
E, na noite, matizo o perene amor assim...
Esquissos de ti...
Texto e Fotografia de João Garcia Barreto
segunda-feira, outubro 01, 2007
A Música - O Lugar da Quimera
E o lugar onde se vê a quimera nascer;
É o silêncio que escuto quando me deito
E que me embala até adormecer.
É o Mundo, a Lua, é toda a atmosfera...
É todo o lugar por onde caminho e não me canso;
É Verão, Outono, Inverno e Primavera
E o único momento em que descanso;
A Música é uma espécie de Céu
Que se esconde nas mãos de uma criança;
É a alma que se envolve num véu
Repleto de melodias de bonança;
A Música é o meu beijo mais profundo
Vindo do fundo, só para te agarrar;
É a força e a armadura do Mundo
E o meu corpo, a minha vida, que sei abraçar.
A Música é a poesia que sobrevoa no ar
De todo o lugar onde me quero esconder;
É a palavra que leio no teu olhar
E o som do dia ao amanhecer.
João Garcia Barreto
A minha primeira canção...
quinta-feira, setembro 20, 2007
O Amor Não Se Empresta
Onde pernoito devagar...
Doi-me a saudade de te querer em mim...
Revejo-te no que, no leito, não me dizias
E osculo-te sem cessar...
Perco-me na memória por te ansiar assim...
Bebo-te em tragos lentos na contradança
Que forjámos aqui...
Sinto a brisa do teu corpo no quarto deserto...
Espero-te na noite, onde a Lua balança...
Depuro-te no que vivi
E lembro-te na despedida no lugar incerto...
E o tempo que sentes,
Preso no silêncio das mãos prementes
É tudo aquilo que nos resta...
Tu sabes: “O Amor não se empresta...”
João Garcia Barreto
segunda-feira, setembro 10, 2007
Fado do Encontro
Tenho o sol à minha frente
Tão quente, brilhante
Sinto o fogo à flor da pele
Tão quente, beijando
Como se fosses tu
Ao longe, distante
Fica o mar no horizonte
É nele, por certo
Onde a tua alma se esconde
Carente, esperando
Esse mar és tu
Pode a noite ter outra cor
Pode o vento ser mais frio
Pode a lua subir no céu
Eu já vou descendo o rio...
Na foz, revolta
Fecho os olhos, penso em ti
Tão perto, que desperto
Há uma alma à minha frente
Tão quente, beijando
Por certo que és tu
Pode a lua subir no céu
E as nuvens a noite toldar
Pode o escuro ser como breu
Acabei por te encontrar
Vou andando, cantando
Tive o sol à minha frente
Tão quente, brilhando
Que a saudade me deixou
Para sempre,
Por certo
O meu Amor és tu.
Tim
A ti...
domingo, agosto 19, 2007
Que Nunca Caiam As Pontes Entre Nós
Eu tenho o tempo,
Tu tens o chão,
Tens as palavras
Entre a luz e a escuridão.
Eu tenho a noite,
E tu tens a dor,
Tens o silêncio
Que por dentro sei de cor.
E eu, e tu,
Perdidos e sós,
Amantes distantes,
Que nunca caiam as pontes entre nós.
Eu tenho o medo,
Tu tens a paz,
Tens a loucura que a manhã ainda te traz.
Eu tenho a terra,
Tu tens as mãos,
Tens o desejo que bata em nós um coração.
E eu, e tu,
Perdidos e sós,
Amantes distantes,
Que nunca caiam as pontes entre nós.
Pedro Abrunhosa
Fotografia de Vasco Barreto
domingo, agosto 12, 2007
Itália
De madrugada, deixei o quarto no seu canto da despedida, enquanto o piano plangia. Parti na aurora de Lisboa que se encontrava, ainda, entregue ao sono. Abri os braços e sobrevoei as nuvens com o destino traçado. Itália esperava-me ansiosamente nos seus sublimes recantos...
O meu olhar tropeçava em cada canal de Veneza, enquanto a gôndola deslizava no rio ritmado pelo acordeão italiano e as casas zombavam no assobio do gondoleiro. Passo a passo, entregava-me ao sol e aos esteiros da cidade romântica.
E a viagem continuava e o sonho realizava-se dia após dia. À noite, Florença sentia os passos dos transeuntes que inspiravam o ar da sua atmosfera arquitectónica e suspiravam ao som remoto de “Bridge Over Troubled Water” que entoava na Piazza de Signoria e, durante o dia, a catedral espelhava as cores da cidade desejada e matizada por Michelangelo Buonarroti.
E a aventura aproximava-se do período derradeiro, quando aterrei na Via Nazionale em busca da Piazza de Venezia e da Via del Fori Imperiali, onde anseava o Colosseo, sibilando “Più bella cosa”.
As minhas mãos tocavam na face de Itália, enquanto suspirava pela canção que se velava em mim. O tempo descolou do asfalto molhado de Roma, quando vertia palavras na terna despedida e no desejo de regressar...
Aos meus pais, ao meu irmão e a quem partilhou comigo a aventura...
Fotografias de Vasco Barreto e João Garcia Barreto
Texto de João Garcia Barreto
quarta-feira, agosto 01, 2007
Horizonte Em Mim
Tento ler o céu a cada segundo do tempo que te espero, percebendo que as palavras se encontram espraiadas no Universo. Penso-te no silêncio dos gestos que faço só para te ter sempre em mim.
As horas passam, os minutos evanescem e eu abraço-te para sempre. Quando o dia beija a noite, desejo-te profundamente no tempo que vivo e, preso a ti, percebo que tu és o horizonte em mim...
Fotografia e texto de João Garcia Barreto
quinta-feira, julho 26, 2007
Fecha-se a Mão ao Adormecer
Sem o querer ultrajar.
Voo como um pássaro na contraluz,
Insistindo em te procurar.
Imagino os teus gestos
Sitos nas partituras em que os descrevo,
Indagando no canto da noite
O silêncio incólume que aqui escrevo.
Rejuvenesce-me o sorriso
Embalado pelo anoitecer.
Abre-se o horizonte!
Fecha-se a mão ao adormecer.
Foram dois anjos que se cruzaram
Num momento omnipotente,
Onde se desfez a solidão
Num beijo ardente.
João Garcia Barreto
domingo, julho 15, 2007
Pedaço de Papel
E os sonhos corroboram a filantropia que transborda de mim. O que fazer, quando há mil e uma coisas por esbanjar? O que dizer, quando a eternidade tatua o tempo na alma doce e calma? O âmago imuniza, indelevelmente, o beijo e o abraço do regaço de quatro noites demoradas, enquanto este pedaço de papel é tudo aquilo que possuo para te lembrar...
João Garcia Barreto
sábado, junho 23, 2007
Beijo da Eternidade
sexta-feira, junho 08, 2007
Algarve
Já são 5 da manhã
Ainda há tempo esta noite
Para quem começa a viver,
A rádio sussurra "Manhatã"
Em acordes distorcidos
Que nos enchem de prazer
Voam pássaros morcegos
Assustando o pára-brisas
E a paisagem que amanhece.
Queres parar, mas não aqui
Que essa luz parte de ti
E o desejo que acontece.
Da chuva faço mil estradas de vidro
E o meu carro a rolar.
No ar o cheiro do destino,
No chão a pele quente
Do Algarve a acordar
Já passamos Castro Verde,
E escreveste na planície
Como se esta fosse um papel,
Dizes: "o mundo não compreende
Mais do que está à superfície"
"Ne me quitte pas", pede Brell
Entre néons e Nirvana
Vais mudando de estação
Como se a próxima fosse a melhor.
E os sons que a serra esconde
Entre o asfalto e o monte,
São mais que a pressa do motor.
Da chuva faço mil estradas de vidro
E o meu carro a rolar.
No ar o cheiro do destino,
No chão a pele quente
Do Algarve a acordar
Um dia de silêncio
É um dia de amargura
Igual a outro dia qualquer
Trazes nos olhos o desejo
Onde vejo a aventura
Que ainda vamos viver.
Da chuva faço mil estradas de vidro
E o meu carro a rolar.
No ar o cheiro do destino,
No chão a pele quente
Do Algarve a acordar
Pedro Abrunhosa
terça-feira, maio 29, 2007
Beijo da Eternidade
Tudo o que desvendo na minha alma
Perdura na essência da imagem
Do Mar que nos acalma.
Tudo o que sinto na realidade,
O que armazeno na arca sincera,
Transfigura a doce saudade
Numa rosa da Primavera.
Tudo o que em mim flameja,
Tudo o que em mim é fecundo,
É a Música que me beija
Numa lacuna do Mundo
Tudo o que perdura nas páginas da verdade,
Tudo o que existe e não tem fim,
Fortalece a doce saudade,
Beijo da Eternidade em mim.
E tudo o que vês não é submerso...
A imagem que observas é o regresso...
De novo, perto de mim,
Observas o Horizonte,
Se eu a ti retornei
Foi da água que bebi na fonte.
Estava escrito nas lajes
Da fonte em que bebi,
O segredo que desvendei
Para repousar hoje, aqui.
João Garcia Barreto
sexta-feira, maio 18, 2007
Refúgio
E tu dormias, Princesa, no aconchego do divã,
Onde ousavas viajar sobre o segredo que o mar
Armazenou em mim.
Descobrias que o que vias, era o cimo de uma hera,
Que floria a saudade em tons de Primavera
E eternizava os dias no asilo onde viverias
A sonhar sempre assim…
Entrizaste-te, enfim, do aconchego do divã
E revelaste o que observaste, roendo uma maçã…
Estendeste a tua mão, senti a pulsação,
És parte de mim…
Revelei-te que o horizonte é o fim ecuménico,
Que o lugar onde vives é só um espaço cénico
E o mito que guardamos, é aquilo que sonhamos
Num mundo assim…
Em ti pousei, em ti repousei…
Eis o refúgio que desvendei…
Sei voar, sei flutuar,
Sou um anjo vivo no teu olhar.
Ledamente, o dia surgiu na manhã já despida,
E tu estranhavas, Princesa, a madrugada vivida
No enleio que se eterniza no tempo que se imuniza,
Para sempre, aqui…
Soubeste perguntar onde guardava a magia,
Disse que não sabia sequer onde a escondia,
Pediste-me um beijo, realizei o desejo
Do ensejo sem fim…
Insurgiste-te, no adeus, com o teu jeito peculiar,
Disseste que um anjo sabe sempre regressar,
Osculaste a minha mão, sentiste a pulsação,
Sou parte de ti…
Disseste que esperavas com as mãos abertas
Prometi que regressava nas noites incertas,
Peguei na poesia e na mais bela melodia
E parti assim…
João Garcia Barreto
sábado, maio 12, 2007
Teimosia
Marés doces, utopia
sonhos e maré vazia
caranguejo persistente
fuça no lodo
e a gente
passa apressada adiante
só pensando na vazante
que leva o barco prá foz
ouve-se do cais uma voz
perguntar se temos nós
a certeza de voltar
porque com tanta destreza
nos esquecemos sobre a mesa
das cartas de marear ...
Tantas vezes, tantos dias
Por causa de temosia
Nós perdemos a vontade
De ouvir outra verdade
De deixar entrar o ar
Só pensando em acabar
Mesmo que fiquemos sós
ouve-se do cais uma voz
perguntar se temos nós
a certeza de voltar
porque com tanta destreza
nos esquecemos sobre a mesa
das cartas de marear ...
Tim
Aos Xutos & Pontapés pela persistência...
terça-feira, maio 08, 2007
Ilumina-me
"Ilumina-me" é mais do que uma canção para um spot publicitário da EDP. É uma canção que fala do amor entre duas cidades separadas por um fio de estrada.
Aqui, respiro o ar de outra cidade, enquanto espero pelas palavras que se escondem em nós... Vem...
Gosto de ti como quem gosta do sábado,
Gosto de ti como quem abraça o fogo,
Gosto de ti como quem vence o espaço,
Como quem abre o regaço,
Como quem salta o vazio,
Um barco aporta no rio,
Um homem morre no esforço,
Sete colinas no dorso
E uma cidade p’ra mim.
Gosto de ti como quem mata o degredo,
Gosto de ti como quem finta o futuro,
Gosto de ti como quem diz não ter medo,
Como quem mente em segredo,
Como quem baila na estrada,
Vestido feito de nada,
As mãos fartas do corpo,
Um beijo louco no porto
E uma cidade p’ra ti.
Enquanto não há amanhã,
Ilumina-me, Ilumina-me.
Enquanto não há amanhã,
Ilumina-me, Ilumina-me.
Gosto de ti como uma estrela no dia,
Gosto de ti quando uma nuvem começa,
Gosto de ti quando o teu corpo pedia,
Quando nas mãos me ardia,
Como silêncio na guerra,
Beijos de luz e de terra,
E num passado imperfeito,
Um fogo farto no peito
E um mundo longe de nós.
Enquanto não há amanhã,
Ilumina-me, Ilumina-me.
Enquanto não há amanhã,
Ilumina-me, Ilumina-me.
Pedro Abrunhosa
Fotografia de Sandra Lopes
domingo, maio 06, 2007
Legado pelo Inverno
No dia seguinte, acordou tarde. Sentia-se um torpor indolente. Pegou na pequena alcofa que acarretou do Universo e abraçou o dia. Deambulou no Chiado que estremecia ao vê-lo passar e parou n’A Brasileira, onde cavaqueou com o poeta que se deleitava, como sempre, sentado à mesa da esplanada:
- Falta cumprir-se Portugal! – dizia incessantemente o poeta.
- Deves ter razão, caro amigo.– respondia, desta forma, o Inverno.
O dia anoiteceu e o Inverno abandonou o poeta que insistia na mesma afirmação. Desceu pela Rua Garrett em direcção ao Rossio e passou as últimas horas na Avenida da Liberdade.
De madrugada, entrou sorrateiramente na maternidade, sibilando uma canção de embalar. Colocou minuciosamente a pequena alcofa numa cadeira junto à mesa de cabeceira do quarto que, fortuitamente, escolheu e pousou o rebento nos longos esteiros de uma mulher.
João Garcia Barreto
sábado, abril 28, 2007
Beijo Escondido
"Sim, eras tu que, sem saber, me beijavas
E entregavas ao vento o tempo que sonhavas..."
O esquisso desta canção pode ser escutada aqui.
Fotografia de Vanessa Pelerigo
sábado, abril 21, 2007
Palavras Nunca Antes Ditas
Não é mais do que um substrato do tempo que vivi,
Como a lágrima vertida na atmosfera onde vogo
Não é mais do que um piano pungente que tange por ti…
E as mãos que, na solidão, se intimidam,
Que se desertificam aquando o tempo evanesce
Não são mais do que as palavras nunca antes ditas
E veladas num âmago isolado que entorpece…
Por isso, vem… que a saudade não desvanece…
Vem… que o tempo permanece…
E prende-me em ti…
Tudo o que se ocultava no silêncio temível
Não era mais do que a soturna certeza
Que teimava em calcular pela matemática falível
Nos teoremas esotéricos da imensurável natureza.
E se, novamente, me vires assim, imerso no pensamento,
Pensa que emergi do livro do cepticismo filosófico
Escrito pelas mãos da poesia na candura do tempo
E do exagero desenfreado de um amor platónico.
Por isso, vem… que a saudade não desvanece…
Vem… que o tempo permanece…
E prende-me em ti…
João Garcia Barreto
segunda-feira, abril 09, 2007
Esquissos
Matizo o sorriso que improvisas no jardim
E pinto a silhueta dos gestos das mãos brandas
E dos lábios frios que pousas em mim...
Numa folha em branco,
Realço o sexto sentido que, aqui, reconheces,
E rasuro o tempo que lateja nas mãos abertas
Que revelam aquilo que só tu conheces.
E, na noite, desenho o Mundo
Que forjámos num beijo profundo...
E, na noite, matizo o perene amor assim...
Esquissos de ti...
João Garcia Barreto
terça-feira, março 27, 2007
Canção Em Mim
E, hoje, pressinto o teu perfume entranhado nas ruas por onde calcorreio devagar e trago o teu olhar tatuado no rosto. Serás um sonho ou a realidade que me quer oscular? Ou serás simplesmente o ensejo que me quer abraçar?
Penso-te e esbanjo sorrisos por seres a mais sublime canção em mim e, não me leves a mal, mas o que tenho para te legar é um âmago de quem te sobrevoa em todo o lugar…
João Garcia Barreto
sábado, março 24, 2007
O Que Faz Falta
O que faz falta
Quando o pão que comes sabe a merda
O que faz falta
O que faz falta é avisar a malta
O que faz falta
O que faz falta é avisar a malta
O que faz falta
Quando nunca a noite foi dormida
O que faz falta
Quando a raiva nunca foi vencida
O que faz falta
O que faz falta é animar a malta
O que faz falta
O que faz falta é acordar a malta
O que faz falta
Quando nunca a infância teve infância
O que faz falta
Quando sabes que vai haver dança
O que faz falta
O que faz falta é animar a malta
O que faz falta
O que faz falta é empurrar a malta
O que faz falta
Quando um cão te morde a canela
O que faz falta
Quando a esquina há sempre uma cabeça
O que faz falta
O que faz falta é animar a malta
O que faz falta
O que faz falta é empurrar a malta
O que faz falta
Quando um homem dorme na valeta
O que faz falta
Quando dizem que isto é tudo treta
O que faz falta
O que faz falta é agitar a malta
O que faz falta
O que faz falta é libertar a malta
O que faz falta
Se o patrão não vai com duas loas
O que faz falta
Se o fascista conspira na sombra
O que faz falta
O que faz falta é avisar a malta
O que faz falta
O que faz falta é dar poder a malta
O que faz falta
José Afonso
domingo, março 18, 2007
Beijo Escondido
E persigo as palavras que soltas na calçada.
Desvendo em cada sílaba um segredo por revelar
E um beijo que lateja na boca coutada.
Sim, eras tu que, sem saber, me beijavas
E entregavas ao vento o tempo que sonhavas...
Sussurras no silêncio uma sóbria semibreve
E persigo o compasso que serena a madrugada.
Desvendo em cada passo um abraço puro e breve
E um beijo velado na mão vedada.
Sim, eras tu que, sem saber, me beijavas
E entregavas ao vento o tempo que sonhavas...
João Garcia Barreto
sexta-feira, março 02, 2007
Suspiro do Tempo
Peço-te uma noite só, aqui,
Onde tudo o que vês é metade de mim...
Quero-te numa noite só, assim,
Onde serei sempre parte de ti...
Beijas-me na doce loucura
Que as mãos ocultam por entre os dedos,
Benvinda, se quiseres partir na aventura
E na candura dos gestos ledos...
Eis, a tua canção na terna ausência,
O suspiro do tempo na profunda inocência...
João Garcia Barreto
quarta-feira, fevereiro 21, 2007
O Eufemismo da Memória
E a sabedoria de um lacrau fútil,
Que esbanja demagogia
Nos dias de romaria...
Sei que desdenho o lugar,
Onde se perde tempo a escutar
As verborreias tão exíguas
Ditas por mentes não ambíguas...
Sei que desdenho o consumismo
Que corrobora o materialismo
E toda a instância do Poder
Que transfigura o ser...
Isto é só o materialismo da história,
O eufemismo da memória...
Ai, Portugal,
Por onde me levas...
João Garcia Barreto
Parece que este poema ainda está actual...
domingo, fevereiro 04, 2007
Menina De Olhar O Mar
Que escutas no zéfiro da maresia,
As plácidas palavras que te conduzem
Ao culminar da porfia,
Entrega-te ao vento
Como um veleiro no alto mar,
Que desliza em perpétuo movimento
Até um dia se ancorar.
Menina de Olhar o Mar,
Desfruta o viço da maresia
E voa com asas implumes
Para os confins da Fantasia.
João Garcia Barreto
quinta-feira, janeiro 11, 2007
Advogo
Não ignoro a caducidade.
Observo o Mundo de noite e de dia
E vejo sempre a claridade.
Não advogo a retórica,
Nada é objecto de persuação.
A política é alérgica à filosofia,
É uma plutocracia sem razão,
Uma demagogia que pantomina
Numa sociedade sem propensão…
Advogo o teu ser,
A tua luz que me ilumina,
A tua arte escondida
Numa quimera genuína…
Advogo o que existe
Na tua mente que incita
O amor que se esconde
Na tua alma inaudita.
Advogo a candura do vento,
Que bafeja o que não é banal,
Nasce nos confins da Utopia,
Suaviza a cegueira infernal
E traça a linha longa do horizonte
Na plenitude do pantanal.
João Garcia Barreto
quarta-feira, janeiro 03, 2007
Ledo Hiato
Sorris à noite, no quarto, onde matizas a Primavera.
Disseminas, no soalho, as flores que amas
E escreves o adágio na atmosfera.
Semeias o viço das açucenas
E das puras acácias no Universo.
Prendes-me num beijo de uma semibreve
E estendo-me num esteiro de um verso.
E deixas-te ficar no ledo hiato,
Onde bailam anjos num silêncio lauto...
De tule pardo e liso,
Vagueias à noite, no quarto, onde o tempo permanece.
Contornas levemente a sombra que vês
E desenhas a Lua que evanesce.
Semeias o viço dos miósotis
E das puras azáleas na Utopia.
Enleias-me no regaço de um leito de seda
E perduro nos braços da Poesia.
E deixas-te ficar no ledo hiato
Onde bailam anjos num silêncio lauto...
Cedo-te a sidra no remanso dourado,
Cedes-me o suco de essência melada,
Brindamos ao Infinito num só trago...
Bebemos a seiva eternizada
Que produzes no quarto contemplado,
Onde deambulamos de mão dada.
E deixas-te ficar no ledo hiato,
Onde bailam anjos num silêncio lauto...
E deixas-te ficar aqui...
João Garcia Barreto
segunda-feira, janeiro 01, 2007
Arauto de Éden
Indaguei uma lacuna no Mundo,
Em cada espaço, uma candeia acesa...
Em cada toada, um grito profundo...
Encontrei um postigo aberto
E pousei no seu parapeito,
Soltei um sopro nevado,
Logo, surgiu o teu esgar desfeito.
Porque planges na madrugada?
Porque deturpas a alvorada ?
Sou um arauto de Éden
Que, no teu quarto, veio repousar.
E desvendo o teu horizonte
No esplendor do teu olhar.
Escuta a doce melopeia,
Que sibila dentro de ti,
Torna perene o momento
E a missiva que deixo aqui.
João Garcia Barreto