domingo, julho 20, 2008

Âmago



De braços abertos, voas na cidade
A cada sombra que vês,
Onde devoras o perfume lascivo
Do vento do ensejo na tez.

Beijas-me nas palavras que dizes
Em cada lugar que passas
E a avenida desentedia-se na canção
Do tempo eterno que abraças.

E suspiro enquanto suspiras...
E respiro quando respiras...

E, na cidade cansada,
O âmago que balança,
Ao ver-te, sorri...
E o corpo que baila
No Mundo que dança
Por ter-te aqui...


Texto de João Garcia Barreto
Fotografia de Desconhecido

sábado, julho 12, 2008

A Mulher da Minha Vida


Viver é apenas sobreviver por etapas, sentenciara o padre Angústias num dos nossos últimos encontros. Ao longo da minha vida tenho sido surpreendido pela lembrança das suas frases concisas e pela imagem do seu rosto severo de padre, professor e vigário da minha paróquia, versado em filosofia e lugares-comuns. Apesar da sua presença na minha juventude, nunca fui um homem religioso, pelo menos no sentido dado pela Igreja, nem tenho particular interesse pelos seus dogmas nem pelas suas causas. Vi-o sempre como um mestre e não como um sacerdote. As suas palavras eram fonte de ensinamentos e descoberta de vida. O padre ocupava na minha vida o lugar de um pai ausente.

Não sei explicar porque me ocorreu tudo isto agora, enquanto me dirijo para a Repartição a assobiar o bolero Aquellos Ojos Verdes, que ouvi tocar num baile, em Cacilhas, abrilhantado por uma banda de cinco músicos de olhar fantasma e expressão boémia. Talvez se deva aos avanços e recuos da minha vida, procurando sobreviver como um náufrago que nada apenas com um braço. O mais provável é que me lembre do padre Angústias como de um pai austero, mas presente e amigo de conversar. Tenho na ideia que ele e a minha mãe se conheceram bem melhor do que me quiseram fazer acreditar. Eram da mesma aldeia e de idade próxima. Mas isso agora não vem ao caso.

Subi até à minha sala de trabalho, uma divisão espaçosa com janelas altas viradas para a rua principal, equipada com quatro secretárias e respectivas cadeiras, uma mesa de apoio e dois armários arquivadores, um relógio de parede e um mapa do país pendurado num dos lados da sala. Entrei e cumprimentei os elementos da brigada.

– Bons dias!

– Bons dias, chefe!

Fui até à mesa de apoio e enchi uma chávena de café de balão. Sentei-me à secretária e voltei a folha do calendário: segunda-feira, Março, 1930. Dentro de dias completaria trinta e cinco anos de idade. Uma boa altura para fazer um balanço da vida. Mas eu não era guarda-livros, daí que balanços não fossem comigo. Era polícia, o que exigia outro desembaraço físico e mental. Lembrei-me de Rosarinho, da vontade que tinha de reencontrá-la, embora há muito desconhecesse o seu paradeiro. Não era um caso de polícia, mas um caso de amor e um desejo pessoal. Um amor como aquele que tínhamos vivido não é coisa que se esqueça de um dia para o outro. Mesmo que o tempo e a distância o reduza na memória ao formato de um retrato, como aquele que guardo na carteira.

© António Garcia Barreto

sábado, julho 05, 2008

Horizonte em Mim




Tento ler o céu a cada segundo do tempo que te espero, percebendo que as palavras se encontram espraiadas no Universo. Penso-te no silêncio dos gestos que faço só para te ter sempre em mim. As horas passam, os minutos evanescem e abraço-te para sempre. Quando o dia oscula a noite, desejo-te, profundamente, no tempo que vivo e, preso a ti, percebo que tu és o horizonte em mim...

João Garcia Barreto