quinta-feira, dezembro 13, 2012

Livre no Tempo em Mim

O amor murmura a trova de Represas
Na noite que dura nas mãos presas
E voga, feiticeira, em pleno universo
E vive na fogueira de um verso.

O anelo ateia o beijo da vontade
E o corpo anseia a liberdade
E baila, feiticeira, no céu fecundo
E sara a cegueira do Mundo.

Voa, Dama d'Alva, no ardor
Da leda valsa do despudor.

E sente o alento no fogo lento,
Livre no tempo em mim.

A paixão aflora no sonho que madruga,
O fel desarvora na doce fuga
E a voz solfeja o que o peito entoa
Na luz que almeja Lisboa.

Voa, Dama d'Alva, no ardor
Da leda valsa do despudor.

E sente o alento no fogo lento,
Livre no tempo em mim.

Tatuas a flor no peito
E cravas o verso no leito,
Onde exorcizas a solidão.
Arde o amor perfeito
E morre o pudor desfeito
No alvor do coração.

E sente o alento no fogo lento,
Livre no tempo em mim.

Texto de João Garcia Barreto
Registado no IGAC

sexta-feira, dezembro 07, 2012

Crónica do Lendário Sibilante

Mais um dia que finalizava e a avenida parecia dormir. A Lua abandonou a noite pluviosa e, peremptoriamente, retornei ao refúgio, vasculhando as infinitas lacunas da cidade. A volúpia viperina espreitava pelos becos da avenida quase deserta, enquanto disseminava resquícios do amor genuíno, convertidos em retalhos de utopia na urbe ostracizada.
No silêncio da noite, pensava nas aventuras que, loucamente, vivi e seguia, estoicamente, o rasto deixado pelo ensejo. Sibilava melodias sem fim na ânsia de preconizar o segredo que respirava na avenida e vislumbrei-te no parapeito do postigo, onde, desenfreadamente, plangias. Perguntei-te porque carpias e encolheste os ombros, desviando o olhar que se intimidava. Insisti em questionar-te, cotejando o silêncio que teimavas em ocultar. Balbuciaste escassas palavras que revelavam o que ocultavas no âmago vulnerável que, ainda, possuis e, instantaneamente, enleaste o regaço de um abraço profundo.
Convidei-te para voar e, abruptamente, estendeste-me a mão. Ergui os braços e seguraste-te, firmemente, no cós do corpo de plumas. Prestes, partimos… Voámos sobre o Mundo e a beleza inaudita daquilo que vias e do ar puro da atmosfera que bafejava no semblante que sorria.
Levei-te ao espaço, onde teimo em pousar. Deslindaste todos os segredos que armazenava no refúgio, escutando os ecos da melopeia latente em mim. Após um ósculo demorado, clamaste, perdidamente, pelo perene amor como o verso do soneto eternizado pelo poeta.
As horas passam e os minutos esvaecem... Retornámos ao postigo, onde o teu esgar se vulnerou e, na candura do momento, acariciei-o, prometendo que regressava nas noites incertas. Na terna despedida, lacrimejaste, profundamente, rogando, em desespero, que não partisse. Perguntaste-me quem era… Olhei diante dos teus olhos e respondi: “Sibilante”.
Quando adormeceste, deixei, no parapeito do postigo, as duas pedras que se complementam e parti como uma cotovia, infiltrando-me na infinita atmosfera, onde se encontra o adágio que escrevi.
Irrompeu a soberba aurora... Arvoraste-te, ledamente, do leito de seda. O Sol erradiava e reflectia-se na vidraça da janela e, endogenamente, sentias a melopeia composta no quarto contemplado, onde imunizaste as pedras legadas.
Enfim, abandonaste o lar, cotejando, de novo, o frenesim cotio que se vive, constantemente, no âmago citadino. Indagaste o nome das pedras legadas em cada passo que davas e, em cada palavra que proferias, percebias que necessitavas de uma chave que abrisse a porta do espaço, onde o segredo se encontrava armazenado. Procuraste a chave em cada lacuna da cidade, constatando que, somente, conseguirias desvendá-la se preconizasses a filantropia no Mundo.
No final do dia, a saudade do tempo vivido suspirava na réstia do Sol e concluíste que a chave só poderia ser um substantivo abstracto, composto por quatro letras e idónea de desenredar o segredo do nome das duas pedras que tanto observavas.
No regresso ao parapeito do postigo do quarto, entregavas-te ao tempo no beijo desenfreado que desembocou no sorriso desenhado no semblante que observava. Contei-te histórias sem fim, enquanto bebias as palavras em tragos lentos.
Entrizei-me do leito macio, onde aconchegávamos o corpo e a alma e apontei para o parapeito. As pedras fulgiam e a Lua sorria no manto de estrelas que cobria a cidade cansada.
Por fim, trocámos o derradeiro olhar na madrugada, onde leste o nome das pedras doadas que se complementam e, antes de partir, interpelaste-me: “ Sibilante, é o sonho que comanda a vida? “
Beijei a tua mão e respondi: “ Sim, a vida pode ser o que sonhamos...”


Texto de João Garcia Barreto
Registado no IGAC