sábado, fevereiro 26, 2005

Crónica do lendário Sibilante

Mais um dia que finalizava e a avenida parecia dormir… A Lua abandonou a noite pluviosa e, mesmo assim, tinha de retornar ao refúgio, onde habito. Optei por deambular pelas lacunas da cidade, vasculhando-as… As pedras da calçada eram o veículo que, naquele instante, me transportava para o lugar, onde o Céu se une com a Terra e o tempo é imensurável.
A volúpia viperina espreitava pelos becos da avenida quase deserta. Disseminei resquícios do genuíno amor convertidos em retalhos de utopia na urbe ostracizada. As poças de água legadas pelas nuvens pluviosas eram lágrimas espraiadas pela natureza conspurcada pelos malefícios do ser humano.
No silêncio da noite, pensava nas aventuras que loucamente vivi e seguia estoicamente o rasto deixado pelo ensejo. Sibilava melodias sem fim na ânsia de preconizar o segredo que respirava na avenida, até que te observei no parapeito do postigo, onde plangias desenfreadamente. Perguntei-te porque carpias e encolheste os ombros, desviando o olhar que se intimidava. Insisti em questionar-te, desafiando o silêncio que teimavas em ocultar. Balbuciaste poucas palavras que revelavam o que escondias no teu vulnerável âmago e, abruptamente, abraçaste-me e refugiaste-te em mim.
Convidei-te para voar e, logo ali, estendeste-me a mão. Ergui os braços e seguraste-te no cós do meu corpo firmemente. Prestes, partimos… Enquanto sobrevoávamos o Mundo, o teu olhar resplandecia com a beleza inaudita daquilo que vias. Sorrias incessantemente, enquanto o ar puro da atmosfera bafejava no teu semblante.
Levei-te ao espaço, onde teimo em repousar e nele pousámos. Descobriste todos os segredos que armazenava no refúgio e penetraste-te nos meus sentidos, desvendando a melopeia latente em mim. Beijaste-me e gritaste perdidamente pelo perene amor como o verso do soneto eternizado pelo poeta.
As horas passaram e os minutos evanesceram... Entrizei-me novamente e prendeste-te em mim… Retornámos ao postigo, onde o teu esgar se vulnerou. Acariciei-o na candura do momento, prometendo que regressava nas noites incertas. De seguida, lacrimejaste profundamente, beijando-me as mãos e pediste-me em desespero que não partisse.
Por fim, perguntaste-me quem era… Olhei nos teus olhos e respondi: “Sibilante”…


João Garcia Barreto

segunda-feira, fevereiro 21, 2005

Exercício de opinião política

Nos dias transactos, o vulgo português assistiu às campanhas eleitorais dos partidos que se candidataram à Assembleia da República. Alguns partidos praticaram uma campanha assaz inusitada, ansiando por resultados desmedidos e um pouco irreais, o que levou ao descontentamento patente no rosto dos caudilhos dos partidos e evidenciado nas respectivas declarações à comunicação social. A deslocação inaudita do povo às urnas prova a inidoneidade de governação do conúbio dos dois maiores partidos da direita. De facto, Portugal terá um novo governo, mas será que o seu futuro mudará? Veremos…
O partido vencedor conseguiu alcançar o seu único objectivo: a maioria absoluta. Naturalmente que a vitória socialista é agradável, mas admito que o conceito de maioria absoluta assemelha-se à noção de ditadura, já que o partido maioritário pode perfeitamente aplicar políticas que não sejam consensuais com as medidas dos restantes partidos que compõem a Assembleia da República. Caso as políticas não sejam o que o vulgo pretende, a democracia pode desvalorizar-se e só o partido eleito pode fazer com que isso não se origine. Embora a sua posição de esquerda seja assumida, os socialistas têm uma política promíscua, pois tanto aplicam medidas esquerdistas como medidas de direita, o que pode não ser favorável ao país, já que os socialistas correm o risco de se apresentarem de forma equitativa à plutocracia assumida pelo fraco governo de direita. Talvez isso não aconteça…
Saliento também as grandes vitórias dos outros partidos de esquerda que aumentaram a sua participação na Assembleia da República, podendo controlar a acção governativa do partido recém-eleito. O líder comunista soube conduzir a sua campanha de uma forma regrada, robusta e garrida, incutindo o espírito evidenciado na obra perene do seu camarada Manuel Tiago ( Até amanhã, Camaradas ) e pugnando sempre pelos direitos dos trabalhadores de todos os sectores privados e públicos. O Bloco de Esquerda atingiu os objectivos pré-estabelecidos, embora não seja a terceira força política como previa. Contudo, dilataram a sua participação política, aumentando mais do dobro dos votos alcançados nas eleições anteriores, o que valorizou todo o trabalho desenvolvido de forma inaudita por Francisco Louçã e os restantes membros do partido.
Do lado da direita, o Partido Social Democrata sucumbiu e obteve o pior resultado de sempre. Os portugueses condenaram aquele que sabiam bem quem era… Desde que Cavaco Silva exonerou-se da liderança, o PSD não soube encontrar alguém que tivesse ideias convictas e idóneas de conduzir o próprio partido. Felizmente, o CDS / PP também não escapou ao julgamento e a demissão pedida pelo ex-director do Independente evidencia o quanto o próprio ambicionava o Poder. A direita foi, assim, condenada pela fraca política por si preconizada e sucumbida pela tão esperada e não, por mim, desejada maioria absoluta socialista, pelo empenho dos comunistas e pela grande genialidade daqueles que são constantemente acusados pelos vencidos como neo-fascistas de esquerda. Eis o novo ensejo de Portugal…

segunda-feira, fevereiro 14, 2005

I don't want to miss a thing

Afinal de contas, ninguém gosta de perder nada e eu não fujo à regra... Todos os dias, vivo absorto na peleja que me conduz a um lugar pacifico. Não estou disposto a perder nada, nem sequer a candura e a espontaneidade de um sublime momento... Preocupo-me com tudo o que é intangível e que nos comove neste país apócrifo, que é idóneo de destruir os sonhos. "Remar, remar, forçar a corrente, não dar ao mar que mata a gente..." é o que diz o Tim, vocalista dos virtuosos Xutos & Pontapés. Não deixo de digladiar pelo sonho latente na palma da minha mão, por isso, "I don't want to miss a thing..."

I could stay awake just to hear you breathing
Watch you smile while you are sleeping
While you're far away and dreaming
I could spend my life in this sweet surrender
I could stay lost in this moment forever
Every moment spent with you is a moment I treasure

Don't wanna close my eyes
Don't wanna fall asleep
'Coz I'd miss you baby
And I don't wanna miss a thing
'Coz even when I dream of you
The sweetest dream would never do
I'd still miss you baby
And I don't wanna miss a thing

Laying close to you
Feeling your heart beating
And I'm wondering what you're dreaming
Wondering if it's me you're seeing
Then I kiss your eyes
And thank God we're together
I just want to stay with you in this moment forever
Forever and ever

Don't wanna close my eyes
Don't wanna fall asleep
'Coz I'd miss you baby
And I don't wanna miss a thing
'Coz even when I dream of you
The sweetest dream would never do
I'd still miss you baby
And I don't wanna miss a thing

I don't wanna miss one smile
I don't wanna miss one kiss
I just wanna be with you
Right here with you just like this
I just wanna hold you close
Feel your heart so close to mine
And just stay here in this moment
For all the rest of time

Don't wanna close my eyes
Don't wanna fall asleep
'Coz I'd miss you baby
And I don't wanna miss a thing
'Coz even when I dream of you
The sweetest dream would never do
I'd still miss you baby
And I don't wanna miss a thing

Diane Warren

quarta-feira, fevereiro 09, 2005

Alma Perene

Desvendei-te nos montes que percorri,
Onde entoava o som eterno da poesia.
Entrizavas-te nas montanhas
De braços estendidos, desafiando a invernia.

Quanto te avistei nas avenidas desertas
Que percorria num sopro nevado,
Logo se fulgiu numa cálida melodia,
A magia que transporto para todo o lado.

E quando te presenti nas lacunas da cidade,
Desemboquei num grito desenfreado,
Invertendo a efémera melancolia
No alento de um anjo emancipado.

Desvendei-te nas miragens infinitas do deserto,
Onde soavam guitarras em acordes distorcidos,
Descolei donde me prendia o medo,
Que de mim transbordava e melindrava os sentidos

João Garcia Barreto

domingo, fevereiro 06, 2005


Refúgio - Pintura a aguarela e tinta da china gentilmente cedida pela autora, Cristina Huertas Posted by Hello

quinta-feira, fevereiro 03, 2005

Eu não...

Sei que eles sabem
despir de neblina a alvorada
eu não
Sei que eles têm a razão
no silêncio quadrado
do círculo da vida
eu não
Sei que colhem o trigo
nas marés infinitas
das ilusões
que Deus lhes deu catedrais
de cera derretendo-se em aleluias
de sabedoria
a mim não
deixou-me só, inútil, nú
lápide vazia do bafo de um ponto
e de uma sílaba
Sei que eles têm orgias de cores
nos mil braços do Sol
eu não eu não
na corrente do meu grito de dor
há somente um gesto de lava

Miguel Barbosa in "Da dúvida ao infinito"...