quinta-feira, dezembro 29, 2005

Beijo

Não posso deixar que te leve
O castigo da ausência,
Vou ficar a esperar e vais ver-me lutar
Para que esse mar não nos vença.
Não posso pensar que esta noite
Adormeço sozinho,
Vou ficar a escrever,
E talvez vá vencer
O teu longo caminho.

Quero que saibas
Que sem ti não há lua,
Nem as árvores crescem,
Ou as mãos amanhecem
Entre as sombras da rua.

Leva os meus braços,
Esconde-te em mim,
Que a dor do silêncio
Contigo eu venço
Num beijo assim.

Não posso deixar de sentir-te
Na memória das mãos,
Vou ficar a despir-te,
E talvez ouça rir-te
Nas paredes, no chão.
Não posso mentir que as lágrimas
São saudades do beijo,
Vou ficar mais despido
Que um corpo vencido,
Perdido em desejo.

Quero que saibas
Que sem ti não há lua,
Nem as árvores crescem,
Ou as mãos amanhecem
Entre as sombras da rua.

Leva os meus braços,
Esconde-te em mim,
Que a dor do silêncio
Contigo eu venço
Num beijo assim.

Pedro Abrunhosa

segunda-feira, dezembro 26, 2005

Ledo Hiato

De tez macia e lasciva,
Sorris à noite, no quarto, onde matizas a Primavera.
Disseminas, no soalho, as flores que amas
E escreves o adágio na atmosfera.
Semeias o viço das açucenas
E das puras acácias no Universo.
Prendes-me num beijo de uma semibreve
E estendo-me num esteiro de um verso.

E deixas-te ficar no ledo hiato,
Onde bailam anjos num silêncio lauto...

De tule pardo e liso,
Vagueias à noite, no quarto, onde o tempo permanece.
Contornas levemente a sombra que vês
E desenhas a Lua que evanesce.
Semeias o viço dos miósotis
E das puras azáleas na Utopia.
Enleias-me no regaço de um leito de seda
E perduro nos braços da Poesia.

E deixas-te ficar no ledo hiato
Onde bailam anjos num silêncio lauto...

Cedo-te a sidra no remanso dourado,
Cedes-me o suco de essência melada,
Brindamos ao Infinito num só trago...
Bebemos a seiva eternizada
Que produzes no quarto contemplado,
Onde deambulamos de mão dada.

E deixas-te ficar no ledo hiato,
Onde bailam anjos num silêncio lauto...
E deixas-te ficar aqui...

João Garcia Barreto

A pensar em ti...

Canção registada na Sociedade Portuguesa de Autores

sexta-feira, dezembro 23, 2005

Crónica do Lendário Sibilante

Mais um dia que finalizava e a avenida parecia dormir… A Lua abandonou a noite pluviosa e, mesmo assim, tinha de retornar ao refúgio, onde habito. Optei por deambular pelas lacunas da cidade, vasculhando-as… As pedras da calçada eram o veículo que, naquele instante, me transportava para o lugar, onde o Céu se une com a Terra e o tempo é imensurável.
A volúpia viperina espreitava pelos becos da avenida quase deserta. Disseminei resquícios do genuíno amor convertidos em retalhos de utopia na urbe ostracizada. As poças de água legadas pelas nuvens pluviosas eram lágrimas espraiadas pela natureza conspurcada pelos malefícios do ser humano.
No silêncio da noite, pensava nas aventuras que loucamente vivi e seguia estoicamente o rasto deixado pelo ensejo. Sibilava melodias sem fim na ânsia de preconizar o segredo que respirava na avenida, até que te observei no parapeito do postigo, onde plangias desenfreadamente. Perguntei-te porque carpias e encolheste os ombros, desviando o olhar que se intimidava. Insisti em questionar-te, desafiando o silêncio que teimavas em ocultar. Balbuciaste poucas palavras que revelavam o que escondias no teu vulnerável âmago e, abruptamente, abraçaste-me e refugiaste-te em mim.
Convidei-te para voar e, logo ali, estendeste-me a mão. Ergui os braços e seguraste-te no cós do meu corpo firmemente. Prestes, partimos… Enquanto sobrevoávamos o Mundo, o teu olhar resplandecia com a beleza inaudita daquilo que vias. Sorrias incessantemente, enquanto o ar puro da atmosfera bafejava no teu semblante.
Levei-te ao espaço, onde teimo em repousar e nele pousámos. Descobriste todos os segredos que armazenava no refúgio e penetraste-te nos meus sentidos, desvendando a melopeia latente em mim. Beijaste-me e gritaste perdidamente pelo perene amor como o verso do soneto eternizado pelo poeta.
As horas passaram e os minutos evanesceram... Entrizei-me novamente e prendeste-te em mim… Retornámos ao postigo, onde o teu esgar se vulnerou. Acariciei-o na candura do momento, prometendo que regressava nas noites incertas. De seguida, lacrimejaste profundamente, beijando-me as mãos e pediste-me em desespero que não partisse.
Perguntaste-me quem era… Olhei nos teus olhos e respondi: “Sibilante”...
Aquando adormeceste, deixei, no parapeito do postigo, as duas pedras que se complementam e parti como uma cotovia, infiltrando-me na infinita atmosfera, onde escrevi um adágio.

Irrompeu a aurora soberba... Entrizaste-te ledamente do leito de seda. O Sol erradiava e reflectia-se nos vidros da janela do espaço contemplado. Sentiste endogenamente a melopeia que compus no quarto, onde imunizaste as pedras que te leguei.
Enfim, abandonaste o lar, cotejando de novo o frenesim cotio que se vive constantemente na metrópole. Indagaste o nome das pedras legadas em cada passo que davas e em cada palavra que proferias e descobriste que necessitavas de uma chave que abrisse a caixa, onde o segredo se encontrava armazenado.
Procuraste a chave em cada lacuna da cidade e constataste que só conseguirias desvendá-la se preconizasses a bela filantropia no mundo em que vives.
No final do dia, verificaste a saudade do tempo perdido na réstia do Sol, onde concluiste que a chave só poderia ser um substantivo abstracto, composto por quatro letras e capaz de abrir a porta do espaço mais intimo de ti.
Quando pousei no parapeito do postigo do quarto, abraçaste-me e pediste-me que revelasse o nome das pedras doadas. Respondi-te que só tu poderias desvendar o mistério no momento que vivíamos. Entregaste-te, assim, ao tempo num beijo desenfreado que desembocou num sorriso desenhado no teu rosto. Contei-te histórias sem fim, enquanto bebias as palavras em tragos lentos e osculavas-me só com o olhar.
Entrizei-me do leito macio, onde aconchegávamos o corpo e a alma e desloquei-me ao parapeito no intuito de te evidenciar que as pedras fulgiam e a Lua sorria no manto de estrelas que cobria a cidade cansada.
Por fim, trocámos o último olhar na madrugada, onde leste o nome das pedras legadas que se complementam e interpelaste-me antes de partir: “ Sibilante, é o sonho que comanda a vida? “
Beijei a tua mão e respondi na candura do momento: “ Sim, a vida pode ser aquilo que sonhamos...”

João Garcia Barreto

A ti...

Palavras Nunca Antes Ditas

Tudo o que se sobressai da utopia que advogo
Não é mais do que um substrato do tempo que vivi,
Como a lágrima vertida na atmosfera onde vogo
Não é mais do que um piano pungente que tange por ti…
E as mãos que, na solidão, se intimidam,
Que se desertificam aquando o tempo evanesce
Não são mais do que as palavras nunca antes ditas
E veladas num âmago isolado que entorpece…

Por isso, vem… que a saudade não desvanece…
Vem… que o tempo permanece…
E prende-me em ti…

Tudo o que se ocultava no silêncio temível
Não era mais do que a soturna certeza
Que teimava em calcular pela matemática falível
Nos teoremas esotéricos da imensurável natureza.
E se, novamente, me vires assim, imerso no pensamento,
Pensa que emergi do livro do cepticismo filosófico
Escrito pelas mãos da poesia na candura do tempo
E do exagero desenfreado de um amor platónico.

Por isso, vem… que a saudade não desvanece…
Vem… que o tempo permanece…
E prende-me em ti…

João Garcia Barreto

Canção registada na Sociedade Portuguesa de Autores

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Doce Ensejo

Insurge-se, o ensejo, no silêncio do tempo
E a mão aberta que se quer fechar,
Enquanto dançamos na avenida
Antes da manhã regressar...
Desvendo o desejo que se oculta em ti
Na solidão das palavras que recitas
E prendo-me nas teias dos sorrisos
Que, na avenida, dissipas.

E a noite evanesce...
E o tempo permanece em mim...

E se a Lua adormecer,
Sei que me beijas ao amanhecer...
E se o Sol despertar,
Sei que a mão se vai fechar...

Sibila na avenida o doce desejo,
Que se oculta no sopro do vento
E persigo as palavras que soltas
E que balançam no momento.

João Garcia Barreto

Canção registada na Sociedade Portuguesa de Autores

sábado, dezembro 10, 2005

Intróito

Das tuas mãos de vidro, carregadas
De jóias tilitantes e doentes,
Das palavras que trazes afogadas,
Das coisas que não dizes mas entendes.

Do teu olhar virado às madrugadas
De fantásticos e exóticos orientes,
Do teu andar de tule, das estocadas
Dos gestos que não fazes mas que sentes.

Dos teus dedos sinistros, de tão brancos,
Dos teus cabelos lisos, de tão brandos,
Dos teus lábios azuis, de tanta cor,

É que me vem a fúria de bater-te,
É que me vem a raiva de morder-te,
Meu amor! Meu amor! Meu amor!

José Carlos Ary dos Santos

domingo, dezembro 04, 2005

Eufemismo da Memória

Sei que desdenho o que é inútil
E a sabedoria de um lacrau fútil,
Que esbanja demagogia
Nos dias de romaria...
Sei que desdenho o lugar,
Onde se perde tempo a escutar
As verborreias tão exíguas
Ditas por mentes não ambíguas...

Sei que desdenho o consumismo
Que corrobora o materialismo
E toda a instância do Poder
Que transfigura o ser...

Isto é só o materialismo da história,
O eufemismo da memória...

Ai, Portugal,
Por onde me levas...

João Garcia Barreto

Canção Registada na Sociedade Portuguesa de Autores

sábado, novembro 26, 2005

Um Arauto de Éden

De tanto sobrevoar,
Indaguei uma lacuna no Mundo,
Em cada espaço, uma candeia acesa...
Em cada toada, um grito profundo...
Encontrei um postigo aberto
E pousei no seu parapeito,
Soltei um sopro nevado,
Logo, surgiu o teu esgar desfeito.
Porque planges na madrugada?
Porque deturpas a alvorada ?

Sou um arauto de Éden
Que, no teu quarto, veio repousar
E desvendo o teu horizonte
No esplendor do teu olhar.
Escuta a doce melopeia,
Que sibila dentro de ti,
Torna perene o momento
E a missiva que deixo aqui.

João Garcia Barreto

Canção registada na Sociedade Portuguesa de Autores

domingo, novembro 13, 2005

Paixão - Um Momento Que Amanhece

Dois olhares que se cruzam;
Dois sorrisos que despertam;
Dois corações que se intimidam;
Duas almas que se apertam;
Duas bocas no silêncio ancoradas;
Duas almas que vacilam sem razão;
Duas metades de Lua emaranhadas;
Dois anjos cintilantes na escuridão;

Duas mãos totalmente vazias;
Duas almas cobertas por um véu;
Duas vozes que cantam todos os dias;
Dois pombos paradisíacos, donos do Céu;
Dois corações que sibilam no escuro;
Duas almas vivas na pobreza do Mundo;
Dois corações que anseiam o mesmo futuro;
Duas almas que se saciam num beijo profundo;

Um momento que amanhece
Numa palavra por dizer...
Um regaço que nos aquece
Um coração a tremer...

Uma mão estendida
De um vagabundo à espera
De um beijo ao adormecer
De uma dama da Primavera...

João Garcia Barreto

Canção registada na Sociedade Portuguesa de Autores

terça-feira, novembro 01, 2005

A Música - O Lugar da Quimera

A Música é o sonho que me prende ao leito
E o lugar onde se vê a quimera nascer;
É o silêncio que escuto quando me deito
E que me embala até adormecer.

É o Mundo, a Lua, é toda a atmosfera...
É todo o lugar por onde caminho e não me canso;
É Verão, Outono, Inverno e Primavera
E o único momento em que descanso;

A Música é uma espécie de Céu
Que se esconde nas mãos de uma criança;
É a alma que se envolve num véu
Repleto de melodias de bonança;

A Música é o meu beijo mais profundo
Vindo do fundo, só para te agarrar;
É a força e a armadura do Mundo
E o meu corpo, a minha vida, que sei abraçar.

A Música é a poesia que sobrevoa no ar
De todo o lugar onde me quero esconder;
É a palavra que leio no teu olhar
E o som do dia ao amanhecer.

João Garcia Barreto

Canção registada na Sociedade Portuguesa de Autores

terça-feira, outubro 25, 2005

Menina de Olhar o Mar

Menina de olhar o mar,
Que escutas no zéfiro da maresia
As plácidas palavras que te conduzem
Ao culminar da porfia,
Entrega-te ao vento
Como um veleiro no alto mar
Que desliza em perpétuo movimento
Até um dia se ancorar.

Menina de olhar o mar
Desfruta o viço da maresia
E voa com asas implumes
Para os confins da fantasia.

João Garcia Barreto

Canção registada na Sociedade Portuguesa de Autores

sexta-feira, outubro 14, 2005

Fim

Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!

Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa,
Eu quero por força ir de burro.

Mário de Sá Carneiro

quarta-feira, outubro 05, 2005

Fecha-se a mão ao adormecer

Hoje, sou dono do Céu
Sem o querer ultrajar.
Voo como um pássaro na contraluz,
Insistindo em te procurar.

Imagino os teus gestos
Sitos nas partituras em que os descrevo,
Indagando no canto da noite
O silêncio incólume que aqui escrevo.

Rejuvenesce-me o sorriso
Embalado pelo anoitecer.
Abre-se o horizonte!
Fecha-se a mão ao adormecer.
Foram dois anjos que se cruzaram
Num momento omnipotente,
Onde se desfez a solidão
Num beijo ardente.

João Garcia Barreto

À tua poesia que partilhas comigo, Vanessa Pelerigo...

Canção registada na Sociedade Portuguesa de Autores

domingo, outubro 02, 2005

A Outra Margem

E com um búzio nos olhos claros
Vinham do cais, da outra margem
Vinham do campo e da cidade
Qual a canção? Qual a viagem?

Vinham p’rá escola. Que desejavam?
De face suja, iluminada?
Traziam sonhos e pesadelos.
Eram a noite e a madrugada.

Vinham sozinhos com o seu destino.
Ali chegavam. Ali estavam.
Eram já velhos? Eram meninos?
Vinham p’rá escola. O que esperavam?

Vinham de longe. Vinham sozinhos.
Lá da planície. Lá da cidade.
Das casas pobres. Dos bairros tristes.
Vinham p’rá escola: a novidade.

E com uma estrela na mão direita
E os olhos grandes e voz macia
Ali chegaram para aprender
O sonho a vida a poesia.

Maria Rosa Colaço

sábado, setembro 24, 2005

Refúgio

A noite adormeceu no crepúsculo da manhã,
Enquanto dormias, Princesa, no aconchego do divã,
Onde ousaste viajar sobre o segredo que o mar
Armazenou em mim.
Descobriste que o que viste, era o cimo de uma hera,
Que floria a saudade em tons de Primavera
E eternizava os dias no lugar onde viverias
A sonhar sempre assim…
Entrizaste-te, enfim, do aconchego do divã
E revelaste o que observaste, roendo uma maçã…
Estendeste a tua mão, senti a pulsação,
És parte de mim…
Revelei-te que o horizonte é um traço ecuménico,
Que o lugar onde vives é só um espaço cénico
E o mito que guardamos, é aquilo que sonhamos
Num mundo assim…

Em ti pousei, em ti repousei…
Eis o refúgio que desvendei…
Sei voar, sei flutuar,
Sou um anjo vivo no teu olhar.

Revelei-te que o horizonte é uma linha infinita,
Que o lugar onde vives, já ninguém acredita,
E os trilhos que seguirás, serão retalhos de paz
Dissipados aqui…
Soubeste-me perguntar onde guardava a magia,
Disse que não sabia sequer onde a escondia,
Pediste-me um beijo, realizei o desejo
Do teu ensejo sem fim…
Insurgiste-te no adeus com o teu jeito peculiar,
Disseste que um anjo sabe sempre regressar,
Beijaste a minha mão, sentiste a pulsação,
Sou parte de ti…
Disseste que esperavas com as duas mãos abertas,
Prometi que regressava nas noites incertas,
Peguei na poesia e na mais bela melodia
E parti assim…

João Garcia Barreto

Canção registada na Sociedade Portuguesa de Autores

quarta-feira, setembro 14, 2005

No Voo De Um Anjo

Da janela do quarto,
A tua fobia suspirava...
Esperavas pelo anjo,
Que tardava.
E dos jardins de Éden,
Irrompe num voo inaudito,
O anjo que aguardavas
No teu lugar interdito.

E no silêncio do quarto,
Só o teu esgar não negou
A Eternidade de um beijo
De quem ao momento se entregou.
E com o desvelo de um abraço
De um anjo eterno que voou,
Imunizaste no leito
O amor que, no quarto, deixou.

No voo de um anjo,
Onde flutuavas,
Desarvorou a dolência
Que tanto exorcizavas.
E no parapeito do postigo,
Lá se despediu
O teu anjo perene
Que só o teu olhar viu.

João Garcia Barreto

Canção registada na Sociedade Portuguesa de Autores

sábado, setembro 03, 2005

Beijo da Eternidade

Tudo o que vejo não é miragem,
Tudo o que desvendo na minha alma
Perdura na essência da imagem
Do Mar que nos acalma.
Tudo o que sinto na realidade,
O que armazeno na arca sincera ,
Transfigura a doce saudade
Numa rosa da Primavera.
Tudo o que em mim flameja,
Tudo o que em mim é fecundo,
É a Música que me beija
Numa lacuna do Mundo
Tudo o que perdura nas páginas da verdade,
Tudo o que existe e não tem fim,
Fortalece a doce saudade,
Beijo da Eternidade em mim.

E tudo o que vês não é submerso...
A imagem que observas é o regresso...

De novo, perto de mim,
Observas o Horizonte,
Se eu a ti retornei
Foi da água que bebi na fonte.
Estava escrito nas lajes
Da fonte em que bebi,
O segredo que desvendei
Para repousar hoje, aqui.

João Garcia Barreto

Canção registada na Sociedade Portuguesa de Autores

domingo, agosto 28, 2005

Um Homem Como Eu

Imagina um homem como eu
Não eu!
Um homem como eu, magro e grisalho
desses que até um véu dá de agasalho
Não eu... mas um homem como eu
que ama a fragilidade da lua e a tristeza das flores
De todas as flores por causa tua
Podes tentar...

Imagina um homem como eu
Não eu!
que ama com as mãos e com a voz
e, meu Deus, como são as tuas mãos...
São as mãos que todos nós – os homens como eu
beijamos só de olhar,
olhamos só de amar...
As mãos da mulher amada
são de ficar de mão dada, comendo um gelado,
olhando o céu dos pardais...
Não eu, que sou dos tais tão difíceis de gostar,
Mas um homem como eu
feito só de imaginar.

Imagina um homem como eu
Não eu!
Mas um homem que de seu
tem o medo inicial
da corrida das crianças
E o vermelho facial, das primeiras danças a dois,
quando sorris...
Mas que depois se deixa sempre levar
por tudo o que tu lhe dás
Vá, diz!
Amar um homem como eu,
eras capaz?

João Monge

segunda-feira, agosto 15, 2005

A ti, Vasco

O nosso tempo pueril teve bons e maus momentos, mas sempre fomos crianças inseparáveis nas brincadeiras. Recordas-te das carrinhas, dos comboios, das casas que arquitectávamos com as inúmeras peças de Lego armazenadas num grande caixote e das histórias que inventávamos, onde englobávamos as nossas novas construções? E dos jogos de futebol com os bonecos? Eram campeonatos sem fim...
Hoje, mantemo-nos inseparáveis, enquanto o tempo evanesce... Partilhamos alguns segredos, canções que amamos, enredos de filmes e de livros, poemas e, sobretudo, momentos que nos corroboram. E, como podes constatar, não é só o sangue que nos coaduna...
Aprendo imenso com a imensurabilidade do teu ser. Admiro o pragmatismo que utilizas como solução dos problemas que enfrentas, o que me permite evadir à promiscuidade latente em mim. No entanto, ambos somos rebeldes... Pugnamos por uma sociedade que diverge daquela que vivemos. E, talvez exista uma explicação para a nossa rebeldia... Perfilhados por dois anjos mundanos com a alma perene de Gedeão, sempre considerámos como lema que " o sonho comanda a vida."

A ti, Vasco

domingo, julho 31, 2005

Nasce Selvagem

Recordo-me do tempo pueril que vivi e das inúmeras canções que armazenava dentro de mim e que faziam parte do meu universo utópico, onde teimava vogar sem cessar. Rui Veloso, Jorge Palma, Sérgio Godinho, Fausto, Zeca Afonso, Trovante, Xutos & Pontapés, Sétima Legião, Heróis do mar, GNR, Resistência, Delfins, Fernando Girão e Lua Extravagante eram os artistas nacionais que detinham a maior participação do meu ledo assobio. Mais tarde, Pedro Abrunhosa insurgiu-se na atmosfera musical portuguesa, que se corroía morosamente e se tornava cada vez mais comercial e menos cultural, rejuvenescendo-a com os seus poemas adornados por palavras sublimes e envoltos nas infinitas e inauditas melodias e fortificando a raiz da música portuguesa arada pelos cantores da revolução já referidos. E o tempo passa e surgem outros nomes de referência: David Fonseca, Toranja, D'Weasel, Blind Zero, Mesa, Donna Maria...
Assim, partilho convosco uma canção que sibilo e armazeno desde a minha infância e, hoje, talvez esquecida pelo comercialismo que domina a música portuguesa...

Mais do que a um país
que a uma família
ou geração

Mais do que a um passado
Que a uma história
ou tradição

Tu pertences a ti
Não és de ninguém

Mais do que a um patrão
que a uma rotina
ou profissão

Mais do que a um partido
que a uma equipa
ou religião

Tu pertences a ti
Não és de ninguém

Vive selvagem
E para ti serás alguém
Nesta viagem

Quando alguém nasce,
Nasce selvagem,
Não é de ninguém...

Quando alguém nasce,
Nasce selvagem,
Não é de ninguém...

Miguel Ângelo e Fernando Cunha

sexta-feira, julho 22, 2005

Lisboa Que Amanhece

Cansados vão os corpos para casa
dos ritmos imitados de outra dança
a noite finge ser
ainda uma criança
de olhos na lua
com a sua
cegueira da razão e do desejo

A noite é cega e as sombras de Lisboa
são da cidade branca a escura face
Lisboa é mãe solteira
amou como se fosse
a mais indefesa
princesa
que as trevas algum dia coroaram

Não sei se dura sempre esse teu beijo
ou apenas o que resta desta noite
o vento enfim parou
já mal o vejo
por sobre o Tejo
e já tudo pode ser tudo aquilo que parece
na Lisboa que amanhece

O Tejo que reflecte o dia à solta
à noite é prisioneiro dos olhares
ao cais dos miradouros
vão chegando dos bares
os navegantes
amantes
das teias que o amor e o fumo tecem

E o Necas que julgou que era cantora
que as dádivas da noite são eternas
mal chega a madrugada
tem que rapar as pernas
para que o dia não traia
Dietrichs que não foram nem Marlenes

Não sei se dura sempre esse teu beijo
ou apenas o que resta desta noite
o vento enfim parou
já mal o vejo
por sobre o Tejo
e já tudo pode ser tudo aquilo que parece
na Lisboa que amanhece

Em sonhos, é sabido, não se morre
aliás essa é a única vantagem
de, após o vão trabalho
o povo ir de viagem
ao sono fundo
fecundo
em glórias e terrores e venturas

E ai de quem acorda estremunhado
espreitando pela fresta a ver se é dia
a esse as ansiedades
ditam sentenças friamente ao ouvido
ruído
que a noite, a seu costume, transfigura

Não sei se dura sempre esse teu beijo
ou apenas o que resta desta noite
o vento enfim parou
já mal o vejo
por sobre o Tejo
e já tudo pode ser tudo aquilo que parece
na Lisboa que amanhece

Sérgio Godinho

segunda-feira, julho 11, 2005

Redemption Song

Como "em qualquer aventura, o que importa é partir não é chegar", cotejo estoicamente novos e inauditos desafios que vida oferece sem cessar... No entanto, o âmago dilata-se com as canções que se insurgem num piano noctívago, onde os dedos das minhas mãos desertas deslizam em sustenidos, bemóis e bequadros espraiados no seu plaino branco e preto. E, outras canções perenes surgem no espaço profundo aquando o piano sussurra ao ouvido... So, "Won't you help to sing..."

Old pirates, yes, they rob I;
Sold I to the merchant ships,
Minutes after they took I
From the bottomless pit.
But my hand was made strong
By the 'and of the Almighty.
We forward in this generation
Triumphantly.
Won't you help to sing
These songs of freedom? -
'Cause all I ever have:
Redemption songs;
Redemption songs.

Emancipate yourselves from mental slavery;
None but ourselves can free our minds.
Have no fear for atomic energy,
'Cause none of them can stop the time.
How long shall they kill our prophets,
While we stand aside and look? Ooh!
Some say it's just a part of it:
We've got to fulfil de book.

Won't you help to sing
These songs of freedom? -
'Cause all I ever have:
Redemption songs;
Redemption songs;
Redemption songs.

Emancipate yourselves from mental slavery;
None but ourselves can free our mind.
Wo! Have no fear for atomic energy,
'Cause none of them-a can-a stop-a the time.
How long shall they kill our prophets,
While we stand aside and look?
Yes, some say it's just a part of it:
We've got to fulfil de book.
Won't you help to sing
Dese songs of freedom? -
'Cause all I ever had:
Redemption songs -
All I ever had:
Redemption songs:
These songs of freedom,
Songs of freedom.

Bob Marley

segunda-feira, julho 04, 2005

Destino na mão

Enfim, passaram-se 4 anos de folia e de algum árduo estudo. Com o destino na mão e o estro endógeno num âmago emancipado, parti, encontrando-me, hoje, imerso na nostalgia oriunda dos tempos académicos que vivi no ISCTE, onde vicejaram inúmeras relações amistosas e dilataram-se sonhos, aquando o tempo evanescia... Resta-me homenagear quem nunca me repudiou e sempre alimentou o desejo, proporcionando o ensejo e corroborando a vontade de pugnar pelo tempo que se vive.

A vós, Anjos Perenes

quinta-feira, junho 30, 2005

125 Azul

Foi sem mais nem menos
Que um dia selei a 12 5 azul
Foi sem mais nem menos
Que me deu para abalar sem destino nenhum

Foi sem graça nem pensando na desgraça
Que eu entrei pelo calor
Sem pendura que a vida já me foi dura
P'ra insistir na companhia

O tempo não me diz nada
Nem o homem da portagem na entrada da auto-estrada
A ponte ficou deserta nem sei mesmo se Lisboa
Não partiu para parte incerta
Viva o espaço que me fica pela frente e não me deixa recuar
Sem paredes, sem ter portas nem janelas
Nem muros para derrubar

Talvez um dia me encontre
Assim talvez me encontre

Curiosamente dou por mim pensando onde isto me vai levar
De uma forma ou outra há-de haver uma hora para a vontade de parar
Só que à frente o bailado do calor vai-me arrastando para o vazio
E com o ar na cara, vou sentindo desafios que nunca ninguém sentiu

Talvez um dia me encontre
Assim talvez me encontre

Entre as dúvidas do que sou e onde quero chegar
Um ponto preto quebra-me a solidão do olhar
Será que existe em mim um passaporte para sonhar
E a fúria de viver é mesmo fúria de acabar

Foi sem mais nem menos
Que um dia selou a 125 azul
Foi sem mais nem menos
Que partiu sem destino nenhum
Foi com esperança sem ligar muita importância àquilo que a vida quer
Foi com força acabar por se encontrar naquilo que ninguém quer

Mas Deus leva os que ama
Só Deus tem os que mais ama

Luís Represas

quinta-feira, junho 23, 2005

Ponto de Orvalho

Nem se chega a saber como
um inusitado sorriso,
um volver de olhos doentes,
um caminhar indeciso
e cego por entre as gentes,
chamam a si, aglutinam,
essa dor que anda suspensa
( e é dor de toda a maneira )
como o vapor se condensa
sobre núcleos de poeira.
É essa angústia latente
boiando no ar parado
como um trovão iminente,
que em muda voz se pressente
num simples olhar trocado.
Essa angústia universal,
esse humano desespero,
revela-se num sinal,
numa ferida natural
que rói com lento exagero.
Não deita sangue nem pus,
não se mede nem se pesa,
não diz, não chora, não reza,
não se explica nem traduz.
A gente chega, respira,
olha, sorri, cumprimenta,
fala do frio que apoquenta
ou do suor que transpira,
e pronto, sem saber como,
inútil, seco, vazio,
cai na penumbra do rio,
emerge, bóia, soçobra,
fácil e desinteressado
como um papel que se dobra
por onde já foi dobrado.

António Gedeão

sábado, junho 18, 2005

As Palavras Que Te Envio São Interditas

As palavras que te envio são interditas
até, meu amor, pelo halo das searas;
se alguma regressasse, nem já reconhecia
o teu nome nas suas curvas claras.

Dói-me esta água, este ar que se respira,
dói-me esta solidão de pedra escura,
estas mãos nocturnas onde aperto
os meus dias quebrados na cintura.

E a noite cresce apaixonadamente.
Nas suas margens nuas, desoladas,
cada homem tem apenas para dar
um horizonte de cidades bombardeadas.

Eugénio de Andrade

terça-feira, junho 14, 2005

Ensina-me a namorar

Um romance de 29 e-mails é algo de inovador na literatura portuguesa e esse é o traço que caracteriza o enredo do novo e sublime livro de António Garcia Barreto. Adoptanto a técnica tão actual dos e-mails, que as diversas figuras desta obra literária enviam umas às outras, o autor utiliza uma linguagem altamente cuidada e idónea de descrever belas cenas de ficção.
"Ensina-me a namorar" relata a tragédia vivida pelo alferes miliciano João Doodler de Sousa que, ao conhecer Julieta na capital portuguesa, não revelou o seu nome verdadeiro aquando partiu para a guerra colonial, afirmando que se chamava Romeu Duchamp. Já perecido sem se reencontrar com a sua amada, João Doodler de Sousa revela, em e-mails enviados para um anjo do Céu, as sequelas do flagelo daqueles que viveram tempos inóspitos a combater na guerra do Ultramar, possivelmente, hoje, considerada como o opróbrio da sociedade quotidiana em que sobrevivemos, segundo as palavras da própria personagem, enquanto fazia o relatório da sua "vida terrena": “A participação dos soldados portugueses na guerra colonial não pode ser motivo de vergonha, conquanto possa ser vergonha a política que os conduziu a tal situação e um tanto ligeira a que levou ao processo de descolonização”.
O intróito do romance deve-se ao desafio proposto por um amigo de Sampaio Bessa, detentor de uma empresa de prestações de serviços nas áreas de estudos de mercado e de gestão de recursos humanos e detective de boas causas, o qual deveria desvendar o desaparecimento do antigo namorado de Julieta, João Doodler de Sousa. No desenrolar do romance, Sampaio Bessa e Julieta vivem uma história de amor, onde ficou célebre a frase que intitula a obra:"Ensina-me a namorar".
Após esta sinopse, convido-vos vivamente a ler o novo romance de António Garcia Barreto, publicado pela editora portuense "Campo das Letras".

sexta-feira, junho 10, 2005

Esparsa Sua ao Desconcerto do Mundo

Os bons vi sempre passar
No Mundo graves tormentos;
E, para mais m'espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado:
Assim que, só para mim
Anda o Mundo concertado.

Luis Vaz de Camões

Ai, Portugal, Portugal,
Por onde me levas?

terça-feira, junho 07, 2005

Ao Canto da Noite

Ao canto da noite
Esperava o dia
Que fossem horas de a ver chegar

Ao canto da noite
Já desesperava
Em todos os cantos que deixou para trás

Esperava como dia
Como tarde
Ou até como amanhã

Esperava ao ver-se ontem
Já levado em braços
Pelo pôr do Sol

Ao canto da noite
Já ninguém ficava
A fingir que faz poemas a ninguém

Ao canto da noite
Já ninguém deixava
Fugir desabafos por perder alguém

Só quem passasse
E olhasse para o nada
Via um vulto que se esconde

Por trás do nada
O dia espera
Como escravo do horizonte

Espera
No fundo do canto da noite
Foge
Para longe do canto da noite

Ao canto da noite
Pensava o dia
Que se podia um dia apaixonar

Se houvesse outro dia
Que para ele olhasse
E se deixassem os dois abandonar

Ao canto de uma noite
Sem ter medos
Sem ter regras a cumprir

Depois fugir do canto
Sem destino
Sem ter rotas a seguir.

Já se ouviu contar
Que nesse canto mora a alma
De outras tantas almas
De outros cantos
De outras noites

Luís Represas

sexta-feira, junho 03, 2005

O Revólver

Numa sociedade inexorável, em que tudo parece ser frívolo, geram-se, por vezes, situações nevrálgicas que melindram os âmagos dos seres humanos. Já não bastava o stress ignóbil que habita no turbilhão do trabalho do dia-a-dia, há quem decida dilatar os impostos, fustigando indubitavelmente a maioria dos lassos contribuintes e corroborando o fausto dos individuos opulentos. E, por não existir um Robin dos Bosques para usurpar aos ricos para legar aos pobres, naturalmente que isto origina uma alteração inevitável dos sistemas nervosos das pessoas e, como é complicado gerir determinadas situações, provoca convulsão e desavenças inusitadas nos seus lares. Logo, não há silêncio nem pensamento que valha nestas horas derradeiras, já que as pessoas tendem a contundir ingenuamente aqueles que mais amam.
No entanto, só o Amor destrói o revólver da sociedade que nos intimida... Talvez a solução destes teoremas complexos seja a inutilização do mal que se escuta ou do mal que se vê, deixando a escumalha que nos macula fora do lar e imunizando nele o Amor que sempre poderá servir-nos como armadura.

Quando nos disparamos do que somos
quando nos encantamos e seguimos
o contido estampido do silêncio
que nos rebenta dentro dos ouvidos
a corola pistola o suspiro do tiro
já não nos basta a bala da palavra
o gatilho dos dedos
o alvo do sentido.

Trincamos uma pétala de cor
e matamos no cheiro duma flor
cinco sentidos unidos.

José Carlos Ary dos Santos

terça-feira, maio 31, 2005

Dead Man's Rope

Existem canções divinas que são compostas por uma junção perfeita entre a harmonia e a melodia. O estro peculiar de um génio compositor da actualidade é memorável e inefável, o que prova a imensurabilidade das suas obras extraordinárias.

A million footsteps, this left foot drags behind my right
But I keep walking, from daybreak 'til the falling night
And as days turn into weeks and years
And years turned into lifetimes
I just kept walking, like I’ve been walking for a thousand years

Walk away in emptiness, walk away in sorrow,
Walk away from yesterday, walk away tomorrow,

If you're walking to escape, to escape from your affliction
You'd be walking in a great circle, a circle of addiction
Did you ever wonder what you'd been carrying since the world was black?
You see yourself in a looking glass with a tombstone on your back

Walk away in emptiness, walk away in sorrow,
Walk away from yesterday, walk away tomorrow,
Walk away in anger, walk away in pain
Walk away from life itself, walk into the rain

Now I’m suspended between my darkest fears and dearest hope
Yes I’ve been walking, now I’m hanging from a dead man's rope
With hell below me, and heaven in the sky above
I’ve been walking, I’ve been walking away from Jesus' love

Walk away in emptiness, walk away in sorrow,
Walk away from yesterday, walk away tomorrow,
Walk away in anger, walk away in pain
Walk away from life itself, walk into the rain

All this wandering has led me to this place
Inside the well of my memory, sweet rain of forgiveness
I’m just hanging here in space

The shadows fall
Around my bed
When the hand of an angel,
The hand of an angel is reaching down above my bed

All this wandering have led me to this place
Inside the well of my memory, sweet rain of forgiveness
Now I’m walking in his grace
I’m walking in His footsteps
Walking in His footsteps,
Walking in His footsteps

All the days of my life I will walk with you
All the days of my life I will talk with you
All the days of my life I will share with you
All the days of my life I will bear with you

Walk away from emptiness, walk away from sorrow,
Walk away from yesterday, walk away tomorrow,
Walk away from anger, walk away from pain
Walk away from anguish, walk into the rain.


Sting

domingo, maio 29, 2005

E tão só o verde dos teus olhos

E então digo eu
que tinges os meus olhos
castanhos
com o verde dos teus olhos
oceanos
de olhares nascidos
de amor e paixão
e mais de outros sentidos

misturas os teus
cabelos loiros
doirados
nos meus
mais sombreados a lápis
do que eu
matizas minha pele
tão morena
na estampa
da tua tão branca
tão branca

a poesia
é a tua graça que eu amo
o teu encanto
as harmonias que eu tramo
coloridas
as cores
as tuas
as flores
que perfumam o teu garbo
e o gosto
e aquele agrado
mais belo e bem posto
de pura elegância
para mim tão amada
serás minha e para sempre
e tão só
a minha eterna namorada

Fausto Bordalo Dias
in " A ópera mágica do cantor maldito"

quinta-feira, maio 26, 2005

Urgentemente

É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.

Eugénio de Andrade

terça-feira, maio 24, 2005

A Sombra de um Abraço

Mais uma noite na estrada
São sonhos por navegar
Mil pedaços de nada
Um café deserto ao luar
Um carro louco que passa
Uns faróis que me contam de ti
Nas mãos um copo vazio
Cheio de querer-te em mim

Já não sei se vens
Hoje sei demais
Eu sou a sombra de um abraço
A cada passo que dás
Já não sei se vens
Hoje sei demais...

Chorei as horas perdidas
E os beijos que ficaram no chão
Tantas manhãs numa vida
Tens o destino na mão
Uma cidade cansada
Um céu que te conta de mim
Trazes uns olhos distantes
Tão perto da certeza do fim.

Pedro Abrunhosa

sexta-feira, maio 20, 2005

Palavras Nunca Antes Ditas

Tudo o que se sobressai da utopia que advogo
Não é mais do que um substrato do tempo que vivi,
Como a lágrima vertida na atmosfera onde vogo
Não é mais do que um piano pungente que tange por ti…
E as mãos que, na solidão, se intimidam,
Que se desertificam aquando o tempo evanesce
Não são mais do que as palavras nunca antes ditas
E veladas num âmago isolado que entorpece…

Por isso, vem… que a saudade não desvanece…
Vem… que o tempo permanece…
E prende-me em ti…

Tudo o que se ocultava no silêncio temível
Não era mais do que a soturna certeza
Que teimava em calcular pela matemática falível
Nos teoremas esotéricos da imensurável natureza.
E se, novamente, me vires assim, imerso no pensamento,
Pensa que emergi do livro do cepticismo filosófico
Escrito pelas mãos da poesia na candura do tempo
E do exagero desenfreado de um amor platónico.

Por isso, vem… que a saudade não desvanece…
Vem… que o tempo permanece…
E prende-me em ti…

Canção registada na Sociedade Portuguesa de Autores

domingo, maio 15, 2005

Entregues à noite

Qualquer momento é único no tempo... Ontem, conjugou-se a nevralgia com a nostalgia num recinto do Campo Grande e, lá permanecíamos diante de uma imagem projectada na parede caiada que incitava-nos na euforia do tempo que vivíamos até ao momento que quase todos galgámos dos assentos, gritando:" Golo".
Depois, rumámos a uma zona nocturna de Lisboa, fugindo do tumulto no Marquês, onde zombavam impetuosamente ledos lampiões . Estávamos entregues à noite... Foi, decerto, uma noite para comemorar, para unirmos as forças no regozijo e sentirmos o tempo efémero, mas paradoxalmente invertido na forma de eternidade, nas nossas mãos imunes.

A todos os finalistas de Finanças do ISCTE

quinta-feira, maio 12, 2005

Tudo é possível no amor

A que te sabem os meus lábios quando neles se desenha outro dia, marcado pela perfeição da tua pele no meu corpo?
Quando, sobre o silêncio, se constrói a indefinição do amor, perdido entre os versos de tantas palavras que não disse...?

Separo-me de ti.
E tudo é igual ou quase tudo é igual
E nada é a mesma coisa sem ti.

Às vezes suspeito que são os teus passos atrás de mim.
Que é o teu silêncio que se fecha sobre os corredores
E o tempo coalha.

O teu amor espreita o meu corpo de longe.
Os livros, os versos, as flores...

Só ele tem voz e um gesto,
Onde se escreve sem porquê
(Quando pergunto onde estás
E já o sabia
E me sofrias)
Esta dor que não se vê.

Dou-me conta que me faltas
E sinto-me só.

Procuro-te entre as pessoas
E as ruas da cidade
E nada mais faço que esperar
Até que chegues.

Fazes-me falta.

(Quando voltas para me abraçar?)

Olho em volta.
Está tudo como gostas:
O sofá de pele,
A carpete a beijar o chão,
A cama onde nos amamos,
As folhas desalinhadas sobre a mesa da sala,
As revistas de arte e os jornais.

Não sei esperar-te
- talvez amar-te -
Sem que tudo de ti seja meu
Porque és tão único como a poesia e coisas assim,
Porque é impossível a extensão das palavras
Nas asas de um pássaro.

Porque tudo é possível no amor.
Como tu, para sempre, em mim.

Vanessa Pelerigo

Poema gentilmente cedido pela autora.

quinta-feira, maio 05, 2005


"Murmurizar" - Pintura a lápis de cera sobre serigrafia baseada no texto " A Melopia da Lua" e gentilmente cedida pela autora Cristina Huertas Posted by Hello

segunda-feira, maio 02, 2005

A Melopeia da Lua

Não há dias nem noites sem fim no Mundo, mas, de facto, todos os dias e noites são perenes em Éden. Os anjos não possuem relógio ou outro tipo de bens materiais que controlam o tempo, pois, simplesmente, usufruem de poderes feéricos e idóneos de eternizar momentos.
E num dia sem fim, o silêncio de Lisboa estendia-se pela madrugada, onde sobrevoava de asas implumes sem destino. Pressenti um lamento de uma criança oriundo de um quarto qualquer, aquando a cidade se abrigava nos enormes braços da Lua.
Persegui o som pueril já entranhado em mim e descobri um postigo aberto, onde pousei. Espreitei sorrateiramente e encontrei-a envolta nos lençóis do leito, onde plangia desenfreadamente. A criança assustou-se aquando viu um vulto que nunca tinha observado. Pedi-lhe que se acalmasse, estendendo a minha mão imune e, logo, o seu tormento estagnou.
Perguntei-lhe o seu nome e, abruptamente, respondeu-me que se chamava João. Revelou-me que, naquela noite, os seus entes queridos discutiram fervorosamente e, logo, percebi a vil tristeza que nele se acomodava. Acalmei-o para não se preocupar, assegurando que nada iria acontecer após o sucedido.
À medida que o tempo passava, o João ficava mais sereno… Interpelou-me no intuito de querer saber quem era e, de seguida, segredei que era um anjo noctívago, filho da Areia e do Mar, que sobrevoava os cantos da noite que o Mundo teimava em ocultar e revelei os poderes feéricos que possuía e a missiva esotérica que transportava. João ficou fascinado com aquilo que contava. O seu olhar radiava… Pedi-lhe que não revelasse o segredo, pois a sua magia dissipava-se no tempo e nem a memória conseguiria salvaguardá-lo. Receosamente, João prometeu-me que não revelava a missiva nem sequer os poderes feéricos que possuía e regressou ao leito, cobrindo-se com os lençóis, onde entorpeceu na acalmia da madrugada. Despedi-me, aquando fechou os olhos, sussurrando: “Eu sou o Sibilante e eu e tu somos iguais…” Enfim, parti, assobiando baixinho a melopeia que a Lua me ensinou.
Aquando despertou, João encontrava-se mais ledo, pois tudo se serenou no novo dia e, sem perceber, sibilava a mesma melopeia.

João Garcia Barreto

domingo, maio 01, 2005

O Menino da sua Mãe

No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas traspassado
– Duas, de lado a lado –,
Jaz morto, e arrefece.

Raia-lhe a farda o sangue
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.

Tão jovem! Que jovem era!
(Agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
«O menino da sua mãe».

Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe. Está inteira
É boa a cigarreira,
Ele é que já não serve.

De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço... Deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.

Lá longe, em casa, há a prece:
"Que volte cedo, e bem!"
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto, e apodrece,
O menino da sua mãe.

Fernando Pessoa

segunda-feira, abril 25, 2005

A Cantiga é uma Arma

« Pertenço a uma geração anterior ao pós-modernismo, em que nós aprendemos que ligada a qualquer estética há sempre uma ética. Quando me perguntaram, no princípio dos anos 80, 'você é um cantor de intervenção?', eu disse: 'Somos todos cantores de intervenção'. Marco Paulo é um cantor de intervenção. Intervém à sua maneira e eu intervenho à minha. Agora, não me venham dizer que aquilo é neutro. Não há neutralidade possível quando se está a falar para milhares de pessoas. Está ali um tipo a dizer umas palavras, a tomar umas atitudes e, portanto, a transmitir modelos que levam à reprodução do sistema social tal como ele está, ou a colocar em causa esse sistema social e a sugerir pistas, eventualmente erradas. Nunca se vai impunemente para cima de um palco.»

José Mário Branco ao jornal Público 27 de Fevereiro de 2004


"A cantiga é uma arma
eu não sabia
tudo depende da bala
e da pontaria
Tudo depende da raiva
e da alegria
a cantiga é uma arma
e eu não sabia..."

E depois do Adeus

Quis saber quem sou
O que faço aqui
Quem me abandonou
De quem me esqueci
Perguntei por mim
Quis saber de nós
Mas o mar
Não me traz
Tua voz.

Em silêncio, amor
Em tristeza e fim
Eu te sinto, em flor
Eu te sofro, em mim
Eu te lembro, assim
Partir é morrer
Como amar
É ganhar
E perder

Tu vieste em flor
Eu te desfolhei
Tu te deste em amor
Eu nada te dei
Em teu corpo, amor
Eu adormeci
Morri nele
E ao morrer
Renasci

E depois do amor
E depois de nós
O dizer adeus
O ficarmos sós
Teu lugar a mais
Tua ausência em mim
Tua paz
Que perdi
Minha dor que aprendi
De novo vieste em flor
Te desfolhei...

E depois do amor
E depois de nós
O adeus
O ficarmos sós

José Niza


Grândola, Vila Morena


Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade

Dentro de ti, ó cidade
O povo é quem mais ordena
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena

Em cada esquina um amigo
Em cada rosto igualdade
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada rosto igualdade
O povo é quem mais ordena

À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
Jurei ter por companheira
Grândola a tua vontade

Grândola a tua vontade
Jurei ter por companheira
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade

José Afonso

Obrigado a todos aqueles que arquitectaram a revolução...

"Uma gaivota voava, voava
Asas de vento, coração de mar,
Como ela somos livres de voar..."

quarta-feira, abril 20, 2005

O Nó da Gravata

Aquando tentava fazer o nó da gravata para me apresentar a rigor na minha última noite de gala do ISCTE, modulava uma canção adaptada à situação:

Dou mil voltas ao pescoço
Para dar o nó da gravata
Faço o melhor que posso
E ele não ata nem desata.

Dou nó cego à paciência
Quase até ficar K.O.
É triste a nossa aparência
Depender assim dum nó.

Muita água há-de passar
Lá no meu porto de abrigo
Mais depressa hei-de dar
Um nó bem dado contigo

Porque só quem fizer bem
Esse nó tão transcendente
Pode vir a ser alguém
Com um G grande de gente

Dizem-me com insistência
É um disco já riscado
Rapaz para teres decência
Tens de ter nó aprumado

Muita água há-de passar
Lá no meu porto de abrigo
Mais depressa hei-de dar
Um nó bem dado contigo

É porque o nó da gravata
Diz mais do engravatado
Do que um coração que bata
Num peito mal amanhado

Dou mil voltas ao espelho
E o nó sempre mal dado
Sei que vou chegar a velho
Com o nó sempre de lado

Muita água há-de passar
Lá no meu porto de abrigo
Mais depressa hei-de dar
Um nó bem dado contigo

Carlos Tê

quinta-feira, abril 14, 2005

Texto Breve

Mais uma vez, encontro-me, aqui, refugiado no silêncio... No dia transacto, calcorreei pelo Chiado, indagando a magia esotérica de Lisboa. Confesso que já sentia saudades do Fado oriundo dos ecos da guitarra portuguesa reproduzidos pelo equipamento sonoro do veículo antigo e estagnado em plena calçada que aglutina o Rossio ao Chiado.
Dentro da FNAC, dirigi-me à secção dos livros, onde passei longos minutos a folhear os prefácios ou os exórdios das novas obras de autores portugueses e os songbooks de alguns artistas nacionais. De seguida, visitei a secção dos discos portugueses, onde se destacava o novo trabalho de João Pedro Pais. Após uma escuta activa do projecto, constatei que o quarto álbum de originais do ex-concorrente do programa televisivo de uma entidade privada mantém-se pejado de verborreias, apenas corroborado de melodias e harmonias bem coadunadas. Na mesma secção, destacava-se também o projecto "Humanos" composto pela simbiose entre David Fonseca, Camané e Manuela Azevedo, onde tive o apanágio de escutar os temas sublimes do desmesurado e perene compositor, António Rodrigues Ribeiro.
Contudo, este testemunho que deixo neste espaço torna-se relevante para salientar que a Arte continua a ser assaz onerosa, já que nem todos os indíviduos poderão consumir o que bom se cria em Portugal.

sexta-feira, abril 08, 2005

Na Mesa do Santo Ofício

Tu lhes dirás, meu amor, que nós não existimos.
Que nascemos da noite, das árvores, das nuvens.
Que viemos, amámos, pecámos e partimos
Como a água das chuvas.

Tu lhes dirás, meu amor, que ambos nos sorrimos
Do que dizem e pensam
E que a nossa aventura,
É no vento que passa que a ouvimos,
É no nosso silêncio que perdura.

Tu lhes dirás, meu amor, que nós não falaremos
E que enterrámos vivo o fogo que nos queima.
Tu lhes dirás, meu amor, se for preciso,
Que nos espreguiçaremos na fogueira.

José Carlos Ary dos Santos

terça-feira, abril 05, 2005

Viagem

Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos).

Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar."

Miguel Torga - 1962

sexta-feira, abril 01, 2005

Ausência Discreta

Um dia, ofereceram-me este poema, o qual guardei profundamente e, nesta folha em branco, divulgo-o a todos os que apreciam e saboreiam o gosto das palavras.

Se te adivinhar foi porque me esqueci
Das palavras mudas
Ou de ti.
Meu amor, quando o grito vence
É só o silêncio inerte
Soprando quem desconhece
O lá fora enquanto é gente
E na vida o que arrefece.

Numa bolha de ar o teu suspiro
Será das ruas mendigas uma esmola
Um passo violado e um castigo.
Num corpo farto
Feito retrato
Nas paredes que me abraçam
Pelo tempo esculpido.

Será dos teus olhos um outro lugar
Das manhãs uma solidão repleta
Fujo os beijos sem te saber
Que o amanhã virá depois
Porque na sombra há um vazio de ti
Como na morte a tua ausência discreta.


RoSe_

23.02.03

A ti, por seres genuína...

quinta-feira, março 31, 2005


Quem ainda não sabe namorar, então aproveite a seguinte informação: acaba de ser publicado pela editora Campo das Letras, na sua colecção Campo da Literatura, o novo romance "Ensina-me a namorar" de António Garcia Barreto Posted by Hello

quarta-feira, março 30, 2005

Aventura

Afinal de contas, nem tudo é Poesia nem Música... E parece que uma aventura pode ter fim... Aos vinte anos, ingressei no curso de Finanças da Escola de Gestão do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa. Com algumas agruras, enfrentei o primeiro ano, cotejando as matemáticas que pareciam frívolas. Porém, constatei com a realidade financeira de todo o tipo de empresas e descobri que existem instrumentos financeiros que nos permitem contrariar o comportamento de uma taxa de juro variável e interbancária, aglutinada a um spread de um simples empréstimo concedido por uma instituição financeira, optando por uma taxa de juro fixa e assegurar hoje uma taxa de juro sobre uma aplicação futura. Conheci melhor os meios financeiros que permitem auferir rentabilidades com o montante monetário por nós próprios investido. Lidei com professores benignos, experientes e eloquentes e ainda professores que eram mais demagogos do que pedagogos. Enfim, cheguei ao semestre derradeiro com o suporte familiar, magistral e oriundo da simbiose manifestada pelos meus genuínos colegas.

quinta-feira, março 24, 2005

Lágrimas tudo

Só de pensar amor, como se o procurasse,
encheram-se-me os olhos de humidade.
Exactamente os mesmos olhos, a mesma fonte, se buscasse
fitá-los na outra face,
do ódio, da violência, da impiedade.

Porquê, lágrimas tudo?

Faz chorar o menino quando nasce,
e o homem quando morre.
E a desumana voz que grita: Faça! - e faz-se,
e a outra, a que nos fala, e em doce tom discorre.
E as equações diferenciais do espaço,
e os três metros quadrados de uma cela.
E a truculenta família do palhaço,
e a fétida ninhada da cadela.
E as aguarelas frescas da manhã,
e o lápis de carvão da sombra traiçoeira.
E os burgueses do Rodin,
e os robertos da feira,
e a Capela Sistina,
e os bonecos de barro de Barcelos,
e a menina de vidro, opalescente e fina,
e a velha bruxa de excrementos nos cabelos.

Tudo, lágrimas tudo.
Porquê, lágrimas tudo?

António Gedeão

segunda-feira, março 21, 2005

Poesia - Ontem

Por vezes, não sabemos o dia em que estamos, nem sequer temos estro para escrever seja o for. Perco-me nos versos soltos nas ruas por onde vagueio e aspiro as palavras que vogam na atmosfera, sentindo o odor esotérico que se armazena em cada uma delas. E escrevo palavras nunca antes ditas... Palavras... Com elas, arquitecto textos prosaicos sem prosápia... Com elas, idealizo o propício remanso e esbanjo legados descritos num pedaço de papel... Com elas, propago sentimentos numa simples canção... Com elas, escreve-se poesia... Benditos sejam: Camões, Pessoa, Ary, Sophia, Torga, Bocage, Garrett, Cesariny, Negreiros, Sá Carneiro, Gedeão, Cesário Verde...

sábado, março 19, 2005


Acalmia Posted by Hello

Limpa-corações

Sei quem tem a purpurina
Que dá lustro aos corações
E limpa as teias do medo
E semeia as ilusões

Sei quem conhece as manhas
Às serpentes e às maçãs
Sei quem dissolve a tristeza
Em solução de aguarrás

Sei quem canta no trabalho
E mexe no choro e no riso
Sei quem conhece um atalho
Para voltar ao paraíso.

Há quem limpe chaminés
Há quem limpe corações.

Dizem que só as crianças
Conhecem esse brinquedo
Mas o limpa-corações
É uma criança em segredo

Que ilumina um dia triste
Com as cores do grande bazar
Quem quiser nem é preciso
Sair para o ir buscar.

Anda perdido no ar
Com o seu verso afiado
Ele dá lustro e areja
O pó dum coração fechado.

Há quem limpe chaminés
Há quem limpe corações...

Carlos Tê

domingo, março 13, 2005


Beleza Sérrea Posted by Hello

O que vai ser de mim

Prometeram-me um futuro
E eu sem querer acreditei,
Comprar a vida sem juros,
Ser dono do Cristo-Rei.
Vou usar jeans e gravata
E um Ferrari amarelo,
Um dia vou ser político
Ou talvez super-modelo.

A vida é um telecomando,
Eu sou o 5º canal,
Sou todos os sonhos perdidos
Por isso viva Portugal!

E agora o que vai ser de mim?
Será que vai ser sempre assim?

Hoje vi mais um concurso
De estrelas de rock´n roll,
De certezas e proezas,
Sexo, droga e futebol!
À noite na discoteca
Os shots falam verdade,
Afinal para que serviram
Dez anos de Faculdade?

A vida é um telecomando,
Eu sou o 5º canal,
Sou todos os sonhos perdidos
Por isso viva Portugal!

Pedro Abrunhosa

terça-feira, março 08, 2005


A Arte Genuína Posted by Hello

Traz outro amigo também

Amigo maior que o pensamento
Por essa estrada amigo vem...
Por essa estrada amigo vem...
Não percas tempo que o vento
É meu amigo também
Não percas tempo que o vento
É meu amigo também

Em terras,
Em todas as fronteiras
Seja benvindo quem vier por bem
Se alguém houver que não queira
Trá-lo contigo também...

Aqueles,
Aqueles que ficaram
(Em toda a parte todo o mundo tem)
Em sonhos me visitaram
Traz outro amigo também...

José Afonso

sábado, fevereiro 26, 2005

Crónica do lendário Sibilante

Mais um dia que finalizava e a avenida parecia dormir… A Lua abandonou a noite pluviosa e, mesmo assim, tinha de retornar ao refúgio, onde habito. Optei por deambular pelas lacunas da cidade, vasculhando-as… As pedras da calçada eram o veículo que, naquele instante, me transportava para o lugar, onde o Céu se une com a Terra e o tempo é imensurável.
A volúpia viperina espreitava pelos becos da avenida quase deserta. Disseminei resquícios do genuíno amor convertidos em retalhos de utopia na urbe ostracizada. As poças de água legadas pelas nuvens pluviosas eram lágrimas espraiadas pela natureza conspurcada pelos malefícios do ser humano.
No silêncio da noite, pensava nas aventuras que loucamente vivi e seguia estoicamente o rasto deixado pelo ensejo. Sibilava melodias sem fim na ânsia de preconizar o segredo que respirava na avenida, até que te observei no parapeito do postigo, onde plangias desenfreadamente. Perguntei-te porque carpias e encolheste os ombros, desviando o olhar que se intimidava. Insisti em questionar-te, desafiando o silêncio que teimavas em ocultar. Balbuciaste poucas palavras que revelavam o que escondias no teu vulnerável âmago e, abruptamente, abraçaste-me e refugiaste-te em mim.
Convidei-te para voar e, logo ali, estendeste-me a mão. Ergui os braços e seguraste-te no cós do meu corpo firmemente. Prestes, partimos… Enquanto sobrevoávamos o Mundo, o teu olhar resplandecia com a beleza inaudita daquilo que vias. Sorrias incessantemente, enquanto o ar puro da atmosfera bafejava no teu semblante.
Levei-te ao espaço, onde teimo em repousar e nele pousámos. Descobriste todos os segredos que armazenava no refúgio e penetraste-te nos meus sentidos, desvendando a melopeia latente em mim. Beijaste-me e gritaste perdidamente pelo perene amor como o verso do soneto eternizado pelo poeta.
As horas passaram e os minutos evanesceram... Entrizei-me novamente e prendeste-te em mim… Retornámos ao postigo, onde o teu esgar se vulnerou. Acariciei-o na candura do momento, prometendo que regressava nas noites incertas. De seguida, lacrimejaste profundamente, beijando-me as mãos e pediste-me em desespero que não partisse.
Por fim, perguntaste-me quem era… Olhei nos teus olhos e respondi: “Sibilante”…


João Garcia Barreto

segunda-feira, fevereiro 21, 2005

Exercício de opinião política

Nos dias transactos, o vulgo português assistiu às campanhas eleitorais dos partidos que se candidataram à Assembleia da República. Alguns partidos praticaram uma campanha assaz inusitada, ansiando por resultados desmedidos e um pouco irreais, o que levou ao descontentamento patente no rosto dos caudilhos dos partidos e evidenciado nas respectivas declarações à comunicação social. A deslocação inaudita do povo às urnas prova a inidoneidade de governação do conúbio dos dois maiores partidos da direita. De facto, Portugal terá um novo governo, mas será que o seu futuro mudará? Veremos…
O partido vencedor conseguiu alcançar o seu único objectivo: a maioria absoluta. Naturalmente que a vitória socialista é agradável, mas admito que o conceito de maioria absoluta assemelha-se à noção de ditadura, já que o partido maioritário pode perfeitamente aplicar políticas que não sejam consensuais com as medidas dos restantes partidos que compõem a Assembleia da República. Caso as políticas não sejam o que o vulgo pretende, a democracia pode desvalorizar-se e só o partido eleito pode fazer com que isso não se origine. Embora a sua posição de esquerda seja assumida, os socialistas têm uma política promíscua, pois tanto aplicam medidas esquerdistas como medidas de direita, o que pode não ser favorável ao país, já que os socialistas correm o risco de se apresentarem de forma equitativa à plutocracia assumida pelo fraco governo de direita. Talvez isso não aconteça…
Saliento também as grandes vitórias dos outros partidos de esquerda que aumentaram a sua participação na Assembleia da República, podendo controlar a acção governativa do partido recém-eleito. O líder comunista soube conduzir a sua campanha de uma forma regrada, robusta e garrida, incutindo o espírito evidenciado na obra perene do seu camarada Manuel Tiago ( Até amanhã, Camaradas ) e pugnando sempre pelos direitos dos trabalhadores de todos os sectores privados e públicos. O Bloco de Esquerda atingiu os objectivos pré-estabelecidos, embora não seja a terceira força política como previa. Contudo, dilataram a sua participação política, aumentando mais do dobro dos votos alcançados nas eleições anteriores, o que valorizou todo o trabalho desenvolvido de forma inaudita por Francisco Louçã e os restantes membros do partido.
Do lado da direita, o Partido Social Democrata sucumbiu e obteve o pior resultado de sempre. Os portugueses condenaram aquele que sabiam bem quem era… Desde que Cavaco Silva exonerou-se da liderança, o PSD não soube encontrar alguém que tivesse ideias convictas e idóneas de conduzir o próprio partido. Felizmente, o CDS / PP também não escapou ao julgamento e a demissão pedida pelo ex-director do Independente evidencia o quanto o próprio ambicionava o Poder. A direita foi, assim, condenada pela fraca política por si preconizada e sucumbida pela tão esperada e não, por mim, desejada maioria absoluta socialista, pelo empenho dos comunistas e pela grande genialidade daqueles que são constantemente acusados pelos vencidos como neo-fascistas de esquerda. Eis o novo ensejo de Portugal…

segunda-feira, fevereiro 14, 2005

I don't want to miss a thing

Afinal de contas, ninguém gosta de perder nada e eu não fujo à regra... Todos os dias, vivo absorto na peleja que me conduz a um lugar pacifico. Não estou disposto a perder nada, nem sequer a candura e a espontaneidade de um sublime momento... Preocupo-me com tudo o que é intangível e que nos comove neste país apócrifo, que é idóneo de destruir os sonhos. "Remar, remar, forçar a corrente, não dar ao mar que mata a gente..." é o que diz o Tim, vocalista dos virtuosos Xutos & Pontapés. Não deixo de digladiar pelo sonho latente na palma da minha mão, por isso, "I don't want to miss a thing..."

I could stay awake just to hear you breathing
Watch you smile while you are sleeping
While you're far away and dreaming
I could spend my life in this sweet surrender
I could stay lost in this moment forever
Every moment spent with you is a moment I treasure

Don't wanna close my eyes
Don't wanna fall asleep
'Coz I'd miss you baby
And I don't wanna miss a thing
'Coz even when I dream of you
The sweetest dream would never do
I'd still miss you baby
And I don't wanna miss a thing

Laying close to you
Feeling your heart beating
And I'm wondering what you're dreaming
Wondering if it's me you're seeing
Then I kiss your eyes
And thank God we're together
I just want to stay with you in this moment forever
Forever and ever

Don't wanna close my eyes
Don't wanna fall asleep
'Coz I'd miss you baby
And I don't wanna miss a thing
'Coz even when I dream of you
The sweetest dream would never do
I'd still miss you baby
And I don't wanna miss a thing

I don't wanna miss one smile
I don't wanna miss one kiss
I just wanna be with you
Right here with you just like this
I just wanna hold you close
Feel your heart so close to mine
And just stay here in this moment
For all the rest of time

Don't wanna close my eyes
Don't wanna fall asleep
'Coz I'd miss you baby
And I don't wanna miss a thing
'Coz even when I dream of you
The sweetest dream would never do
I'd still miss you baby
And I don't wanna miss a thing

Diane Warren

quarta-feira, fevereiro 09, 2005

Alma Perene

Desvendei-te nos montes que percorri,
Onde entoava o som eterno da poesia.
Entrizavas-te nas montanhas
De braços estendidos, desafiando a invernia.

Quanto te avistei nas avenidas desertas
Que percorria num sopro nevado,
Logo se fulgiu numa cálida melodia,
A magia que transporto para todo o lado.

E quando te presenti nas lacunas da cidade,
Desemboquei num grito desenfreado,
Invertendo a efémera melancolia
No alento de um anjo emancipado.

Desvendei-te nas miragens infinitas do deserto,
Onde soavam guitarras em acordes distorcidos,
Descolei donde me prendia o medo,
Que de mim transbordava e melindrava os sentidos

João Garcia Barreto

domingo, fevereiro 06, 2005


Refúgio - Pintura a aguarela e tinta da china gentilmente cedida pela autora, Cristina Huertas Posted by Hello

quinta-feira, fevereiro 03, 2005

Eu não...

Sei que eles sabem
despir de neblina a alvorada
eu não
Sei que eles têm a razão
no silêncio quadrado
do círculo da vida
eu não
Sei que colhem o trigo
nas marés infinitas
das ilusões
que Deus lhes deu catedrais
de cera derretendo-se em aleluias
de sabedoria
a mim não
deixou-me só, inútil, nú
lápide vazia do bafo de um ponto
e de uma sílaba
Sei que eles têm orgias de cores
nos mil braços do Sol
eu não eu não
na corrente do meu grito de dor
há somente um gesto de lava

Miguel Barbosa in "Da dúvida ao infinito"...

sexta-feira, janeiro 28, 2005

Espalhem a Notícia

Espalhem a notícia
do mistério da delícia
desse ventre
espalhem a notícia do que é quente
e se parece
com o que é firme e com o que é vago
esse ventre que eu afago
que eu bebia de um só trago
se pudesse.

Divulguem o encanto
do ventre do que canto
que hoje toco
a pele onde à tardinha desemboco
tão cansado
esse ventre vagabundo
que foi rente e foi fecundo
que eu bebia até ao fundo
saciado

Eu fui ao fim do Mundo
eu vou ao fundo de mim
vou ao fundo do mar
no corpo de uma mulher
vou ao fundo do mar
no corpo de uma mulher bonita

A terra tremeu ontem
não mais do anteontem
pressenti-o
o ventre de que falo como um rio
transbordou
e o tremor que anunciava
era fogo e era lava
era a terra que abalava
no que sou

Depois de entre os escombros
ergueram-se dois ombros
num murmúrio
e o sol como é costume foi um augúrio
de bonança
sãos e salvos felizmente
e como o riso vem ao ventre
assim veio de repente
uma criança

Falei-vos desse ventre
quem quiser que acrescente
da sua lavra
que a bom entendedor meia palavra
basta é só
adivinhar o que há mais
os segredos dos locais
que no fundo são iguais
em todos nós.

Sérgio Godinho

domingo, janeiro 23, 2005

Blood Brothers

We played king of the mountain out on the end
The world come chargin' up the hill and we were women and men
Now there's so much that time, time and memory fade away
We got our own roads to ride and chances we gotta take
We stood side by side each one fightin' for the other
We said until we died we'd always be blood brothers

Now the hardness of this world slowly grinds your dreams away
Makin' a fool's joke out of the promises we make
And what once seemed black and white turns to so many shades of gray
We lose ourselves in work to do and bills to pay
And it´s ride, ride, ride and there ain't much cover
With no one runnin' by your side my blood brother

On through the houses of the dead past those fallen in their tracks
Always movin' ahead and never lookin' back
Now I don't know how I feel, I don't know how I feel tonight
If I've fallen 'neath the wheel, if I've lost or I've gained sight
I don't even know why, I don't know why I made this call
Or if any of this matters anymore after all

But the stars are burnin' bright like some mistery uncovered
I'll keep movin' through the dark with you in my heart
My blood brother.

Bruce Springsteen

A ti, Vasco...

quarta-feira, janeiro 19, 2005

Concurso Alarga a tua Vida

Convido-vos a visitar o site www.alargatuavida.com, onde poderão escutar o que armazeno em mim, nas secções Pop/Rock e World Music, e ainda a nova música que se arquitecta em Portugal.

segunda-feira, janeiro 17, 2005

O Zorro

Eu quero marcar um Z dentro do teu decote
Ser o teu Zorro de espada e capote
P'ra te salvar à beirinha do fim
Depois, num volte-face vestir os calções
Acreditar de novo nos papões
E adormecer contigo ao pé de mim.

Eu quero ser para ti a camisola dez
Ter o Benfica todo nos meus pés
Marcar um ponto na tua atenção.
Se assim faltar a festa na tua bancada
Eu faço a minha última jogada
E marco um golo com a minha mão.

Eu quero passar contigo de braço dado
E a rua toda de olho arregalado
A perguntar como é que conseguiu.
Eu puxo da humildade da minha pessoa
Digo da forma que menos magoa
«Foi fácil. Ela é que pediu!»

João Monge

terça-feira, janeiro 11, 2005

Refúgio - Para Sempre

A noite adormeceu no crepúsculo da manhã,
Enquanto dormias, Princesa, no aconchego do divã,
Onde ousaste viajar sobre o segredo que o mar
Armazenou em mim.
Descobriste que o que viste, era o cimo de uma hera,
Que floria a saudade em tons de Primavera
E eternizava os dias no lugar onde viverias
A sonhar sempre assim…
Entrizaste-te, enfim, do aconchego do divã
E revelaste o que observaste, roendo uma maçã…
Estendeste a tua mão, senti a pulsação,
És parte de mim…
Revelei-te que o horizonte é um traço ecuménico,
Que o lugar onde vives é só um espaço cénico
E o mito que guardamos, é aquilo que sonhamos
Num mundo assim…

Em ti pousei, em ti repousei…
Eis o refúgio que desvendei…
Sei voar, sei flutuar,
Sou um anjo vivo no teu olhar.

Revelei-te que o horizonte é uma linha infinita,
Que o lugar onde vives, já ninguém acredita,
E os trilhos que seguirás, serão retalhos de paz
Dissipados aqui…
Soubeste-me perguntar onde guardava a magia,
Disse que não sabia sequer onde a escondia,
Pediste-me um beijo, realizei o desejo
Do teu ensejo sem fim…
Insurgiste-te no adeus com o teu jeito peculiar,
Disseste que um anjo sabe sempre regressar,
Beijaste a minha mão, sentiste a pulsação,
Sou parte de ti…
Disseste que esperavas com as duas mãos abertas,
Prometi que regressava nas noites incertas,
Peguei na poesia e na mais bela melodia
E parti assim…

Canção registada na Sociedade Portuguesa de Autores

quinta-feira, janeiro 06, 2005

Advogo

Devido à alteração da melodia da canção, foi necessário modificar o poema da mesma.

Advogo a filantropia,
Não ignoro a caducidade.
Observo o Mundo de noite e de dia
E vejo sempre a claridade.

Não advogo a retórica,
Nada é objecto de persuação.
A política é alérgica à filosofia,
É uma plutocracia sem razão,
Uma demagogia que pantomina
Numa sociedade sem propensão…

Advogo o que existe
Na tua mente que incita
O amor que se esconde
Na tua alma inaudita.
Advogo o teu ser,
A tua luz que me ilumina,
A tua arte escondida
Numa quimera genuína…

Advogo a candura do vento,
Que bafeja o que não é banal,
Nasce nos confins da Utopia,
Suaviza a cegueira infernal
E traça a linha longa do horizonte
Na plenitude do pantanal.

Canção registada na Sociedade Portuguesa de Autores

segunda-feira, janeiro 03, 2005

O Retorno do Além

O Eça e o Pessoa
mandaram chamar o Pessa,
pois, além de ter sido
profissional exemplar
no mundo dos mortais,
estava recém-chegado
e por certo traria nos seus dados
notícias bem actuais.
Os três não pensaram mais
e puseram mãos à obra,
os outros poetas e artistas,
que a tudo assistiam,
ficaram entusiasmados
com tão audaz iniciativa
e, ao irem-se juntando aos primeiros,
começaram o que veio tornar-se
numa legião cultural do Além
que tinha por meta voltar
para uma temporada na Terra
para constatar in loco
as palavras assustadoras
do grande Fernando Pessa.
O Bocage era quem mais gozava
com toda a situação,
Camões olhava e não acreditava
nas histórias que Amália
com ele partilhou
e a confusão aumentou
quando os artistas irmãos
quiseram entrar.
Os colegas brasileiros
também choram a cultura
que a indústria conseguiu matar.
E Drummond pede ao Vinicius
que convide o Gonzaguinha
para que ele continue
escrevendo o que escrevia
quando ainda estava lá.
O Vasco Santana quis ir
e o António Silva também,
o Ary não podia faltar,
nem tão pouco o Tom Jobim.
Finalmente, veio o dia
em que tudo ficou preparado
e as almas dos artistas
fizeram o combinado,
voltaram todos à Terra
para verem como era
o que o Pessa lhes tinha contado.
E assim foi, meus amigos
de tudo aquilo que viram
ficaram horrorizados,
já não havia respeito,
já não havia amor,
não havia a inteligência
e as mediáticas vitórias
logradas pelos humanos
em maratonas ridículas
eram só mais um engano
na longa lista de fracassos
que temos para contar.
Viram televisão, andaram na multidão,
leram revistas e jornais,
ficaram a par dos mexericos no ar
e mais chocados ficaram
quando ligaram o rádio
à procura de ouvirem
a música que se faz por cá,
é que foi muito difícil
encontrar música portuguesa,
na elite das nossas rádios
o que é português não presta.
A ideia com que ficaram
de tudo o que apreciaram
foi que, por estranho que pareça,
nós não gostamos de nós!
O que viram foi uma nação adormecida,
dividida em ideias mesquinhas,
em um "salve-se quem puder"
sem destino, sem vontade própria, sem saída.
Laura Alves surpreendida
confessava a Dona Amélia
que estava louca por voltar ao Além,
pois este lugar já não era o dela.
Assim, depois de três dias
pesquisando o ambiente
decidiram ir embora
o mais depressa possível
e depois no paraíso,
numa sala reservada
para a expedição terrestre,
contaram as suas aventuras
e todos juraram então
ficarem sempre onde estão
e não voltarem à Terra.
É que agora o que era arte
é coisa desconhecida,
é uma palavra perdida
no nosso inconsciente
e até a própria cultura
anda à beira da loucura
e não é mais inteligente.

Fernando Girão