segunda-feira, abril 25, 2005

A Cantiga é uma Arma

« Pertenço a uma geração anterior ao pós-modernismo, em que nós aprendemos que ligada a qualquer estética há sempre uma ética. Quando me perguntaram, no princípio dos anos 80, 'você é um cantor de intervenção?', eu disse: 'Somos todos cantores de intervenção'. Marco Paulo é um cantor de intervenção. Intervém à sua maneira e eu intervenho à minha. Agora, não me venham dizer que aquilo é neutro. Não há neutralidade possível quando se está a falar para milhares de pessoas. Está ali um tipo a dizer umas palavras, a tomar umas atitudes e, portanto, a transmitir modelos que levam à reprodução do sistema social tal como ele está, ou a colocar em causa esse sistema social e a sugerir pistas, eventualmente erradas. Nunca se vai impunemente para cima de um palco.»

José Mário Branco ao jornal Público 27 de Fevereiro de 2004


"A cantiga é uma arma
eu não sabia
tudo depende da bala
e da pontaria
Tudo depende da raiva
e da alegria
a cantiga é uma arma
e eu não sabia..."

E depois do Adeus

Quis saber quem sou
O que faço aqui
Quem me abandonou
De quem me esqueci
Perguntei por mim
Quis saber de nós
Mas o mar
Não me traz
Tua voz.

Em silêncio, amor
Em tristeza e fim
Eu te sinto, em flor
Eu te sofro, em mim
Eu te lembro, assim
Partir é morrer
Como amar
É ganhar
E perder

Tu vieste em flor
Eu te desfolhei
Tu te deste em amor
Eu nada te dei
Em teu corpo, amor
Eu adormeci
Morri nele
E ao morrer
Renasci

E depois do amor
E depois de nós
O dizer adeus
O ficarmos sós
Teu lugar a mais
Tua ausência em mim
Tua paz
Que perdi
Minha dor que aprendi
De novo vieste em flor
Te desfolhei...

E depois do amor
E depois de nós
O adeus
O ficarmos sós

José Niza


Grândola, Vila Morena


Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade

Dentro de ti, ó cidade
O povo é quem mais ordena
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena

Em cada esquina um amigo
Em cada rosto igualdade
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada rosto igualdade
O povo é quem mais ordena

À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
Jurei ter por companheira
Grândola a tua vontade

Grândola a tua vontade
Jurei ter por companheira
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade

José Afonso

Obrigado a todos aqueles que arquitectaram a revolução...

"Uma gaivota voava, voava
Asas de vento, coração de mar,
Como ela somos livres de voar..."

quarta-feira, abril 20, 2005

O Nó da Gravata

Aquando tentava fazer o nó da gravata para me apresentar a rigor na minha última noite de gala do ISCTE, modulava uma canção adaptada à situação:

Dou mil voltas ao pescoço
Para dar o nó da gravata
Faço o melhor que posso
E ele não ata nem desata.

Dou nó cego à paciência
Quase até ficar K.O.
É triste a nossa aparência
Depender assim dum nó.

Muita água há-de passar
Lá no meu porto de abrigo
Mais depressa hei-de dar
Um nó bem dado contigo

Porque só quem fizer bem
Esse nó tão transcendente
Pode vir a ser alguém
Com um G grande de gente

Dizem-me com insistência
É um disco já riscado
Rapaz para teres decência
Tens de ter nó aprumado

Muita água há-de passar
Lá no meu porto de abrigo
Mais depressa hei-de dar
Um nó bem dado contigo

É porque o nó da gravata
Diz mais do engravatado
Do que um coração que bata
Num peito mal amanhado

Dou mil voltas ao espelho
E o nó sempre mal dado
Sei que vou chegar a velho
Com o nó sempre de lado

Muita água há-de passar
Lá no meu porto de abrigo
Mais depressa hei-de dar
Um nó bem dado contigo

Carlos Tê

quinta-feira, abril 14, 2005

Texto Breve

Mais uma vez, encontro-me, aqui, refugiado no silêncio... No dia transacto, calcorreei pelo Chiado, indagando a magia esotérica de Lisboa. Confesso que já sentia saudades do Fado oriundo dos ecos da guitarra portuguesa reproduzidos pelo equipamento sonoro do veículo antigo e estagnado em plena calçada que aglutina o Rossio ao Chiado.
Dentro da FNAC, dirigi-me à secção dos livros, onde passei longos minutos a folhear os prefácios ou os exórdios das novas obras de autores portugueses e os songbooks de alguns artistas nacionais. De seguida, visitei a secção dos discos portugueses, onde se destacava o novo trabalho de João Pedro Pais. Após uma escuta activa do projecto, constatei que o quarto álbum de originais do ex-concorrente do programa televisivo de uma entidade privada mantém-se pejado de verborreias, apenas corroborado de melodias e harmonias bem coadunadas. Na mesma secção, destacava-se também o projecto "Humanos" composto pela simbiose entre David Fonseca, Camané e Manuela Azevedo, onde tive o apanágio de escutar os temas sublimes do desmesurado e perene compositor, António Rodrigues Ribeiro.
Contudo, este testemunho que deixo neste espaço torna-se relevante para salientar que a Arte continua a ser assaz onerosa, já que nem todos os indíviduos poderão consumir o que bom se cria em Portugal.

sexta-feira, abril 08, 2005

Na Mesa do Santo Ofício

Tu lhes dirás, meu amor, que nós não existimos.
Que nascemos da noite, das árvores, das nuvens.
Que viemos, amámos, pecámos e partimos
Como a água das chuvas.

Tu lhes dirás, meu amor, que ambos nos sorrimos
Do que dizem e pensam
E que a nossa aventura,
É no vento que passa que a ouvimos,
É no nosso silêncio que perdura.

Tu lhes dirás, meu amor, que nós não falaremos
E que enterrámos vivo o fogo que nos queima.
Tu lhes dirás, meu amor, se for preciso,
Que nos espreguiçaremos na fogueira.

José Carlos Ary dos Santos

terça-feira, abril 05, 2005

Viagem

Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos).

Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar."

Miguel Torga - 1962

sexta-feira, abril 01, 2005

Ausência Discreta

Um dia, ofereceram-me este poema, o qual guardei profundamente e, nesta folha em branco, divulgo-o a todos os que apreciam e saboreiam o gosto das palavras.

Se te adivinhar foi porque me esqueci
Das palavras mudas
Ou de ti.
Meu amor, quando o grito vence
É só o silêncio inerte
Soprando quem desconhece
O lá fora enquanto é gente
E na vida o que arrefece.

Numa bolha de ar o teu suspiro
Será das ruas mendigas uma esmola
Um passo violado e um castigo.
Num corpo farto
Feito retrato
Nas paredes que me abraçam
Pelo tempo esculpido.

Será dos teus olhos um outro lugar
Das manhãs uma solidão repleta
Fujo os beijos sem te saber
Que o amanhã virá depois
Porque na sombra há um vazio de ti
Como na morte a tua ausência discreta.


RoSe_

23.02.03

A ti, por seres genuína...