sábado, janeiro 28, 2006

Esquissos

Numa folha em branco,
Matizo o sorriso que improvisas no jardim
E pinto a silhueta dos gestos das mãos brandas
E dos lábios frios que pousas em mim...
Numa folha em branco,
Realço o sexto sentido que, aqui, reconheces,
E rasuro o tempo que lateja nas mãos abertas
Que revelam aquilo que só tu conheces.

E, na noite, desenho o Mundo
Que forjámos num beijo profundo...
E, na noite, matizo o perene amor assim...

Esquissos de ti...

João Garcia Barreto

Canção registada na Sociedade Portuguesa de Autores

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Corações Periféricos

Na cidade dormitório
Onde o sol se põe cinzento
E o bel-canto da cigarra
Jaz mudo sob o cinzento

Quando a noite cai sombria
Com seus ténues lampadários
Luzindo na simetria
Dos novos bairros operários

O meu coração vadia como um lobo solitário
Na tristeza de um subúrbio

Pinto apelos em murais
Esfumo a noite em olheiras
Deslizo na hora do lobo
Sigo o rastro das padeiras

Afio as minhas armas brancas
Nas esquinas de metal
Cravo-as bem fundo nas ancas
Da cintura industrial

O meu coração vadia como um lobo solitário
Na tristeza de um subúrbio

Silva a hora do comboio
Treme na erva o orvalho
Corações da outra banda
Apressam-se para o trabalho

Com olhos mal acordados
Brilho vestido ao contrário
Como peixes alucinados
Às voltas no seu aquário

O meu coração vadia como um lobo solitário
Na tristeza de um subúrbio

Carlos Tê

domingo, janeiro 22, 2006

Advogo

Advogo a filantropia,
Não ignoro a caducidade.
Observo o Mundo de noite e de dia
E vejo sempre a claridade.

Não advogo a retórica,
Nada é objecto de persuação.
A política é alérgica à filosofia,
É uma plutocracia sem razão,
Uma demagogia que pantomina
Numa sociedade sem propensão…

Advogo o teu ser,
A tua luz que me ilumina,
A tua arte escondida
Numa quimera genuína…

Advogo o que existe
Na tua mente que incita
O amor que se esconde
Na tua alma inaudita.

Advogo a candura do vento,
Que bafeja o que não é banal,
Nasce nos confins da Utopia,
Suaviza a cegueira infernal
E traça a linha longa do horizonte
Na plenitude do pantanal...

João Garcia Barreto

Canção registada na Sociedade Portuguesa de Autores

terça-feira, janeiro 17, 2006

Na Mesa do Santo Ofício

Tu lhes dirás, meu amor, que nós não existimos.
Que nascemos da noite, das árvores, das nuvens.
Que viemos, amámos, pecámos e partimos
Como a água das chuvas.

Tu lhes dirás, meu amor, que ambos nos sorrimos
Do que dizem e pensam
E que a nossa aventura,
É no vento que passa que a ouvimos,
É no nosso silêncio que perdura.

Tu lhes dirás, meu amor, que nós não falaremos
E que enterrámos vivo o fogo que nos queima.
Tu lhes dirás, meu amor, se for preciso,
Que nos espreguiçaremos na fogueira.

José Carlos Ary dos Santos

segunda-feira, janeiro 16, 2006

Cruz Alta

Ficou a promessa
Onde o Céu se une com a Terra,
Tão perto da Lua que regressa
Aos encantos do palácio e da serra.

Ficou a promessa
Lá no cume onde Deus pousou,
Tão perto do Sol que regressa
Aos braços de quem o ressuscitou.

E só a morte, por ser forte,
Matará o sonho
Preso naquele lugar.
E só a morte, por ser forte,
Matará quem
Viu ali o teu olhar.

João Garcia Barreto

Canção registada na Sociedade Portuguesa de Autores

Isto é o resultado de uma visita ao ponto mais alto da Serra de Sintra.

domingo, janeiro 15, 2006

Viagem

Outrora, coloquei, neste espaço, um poema sublime de Miguel Torga. Hoje, coloco-o, aqui, novamente...
Talvez sejam os desencontros amorosos ou a conjuntura politica em que sobrevivemos que não incitam a coragem ou que não apelam à confiança para partir numa nova viagem ou numa nova aventura...
O Mundo é cada vez mais egocêntrico... A sociedade preocupa-se mais com o dinheiro que paga as prestações do crédito hipotecário, o empréstimo do automóvel, os impostos, a gasolina ou o gasóleo, a moda... No entanto, não existe quantia numerária que sirva para pagar ou emprestar o Amor de alguém...
A Filantropia perece nas ruas ou nas avenidas dos grandes centros urbanos, onde a felicidade se esconjura. Perguntaria uma amiga: “ de que cruzar de ruas fugimos?”
A Poesia morre nos versos escritos na candura do tempo vivido pelo poeta louco e rebelde por ser original... Já ninguém quer saber das palavras vivas que estão mortas e enterradas...
A Música já não encanta nem o Sol canta na doce manhã... Já ninguém entende a hipocondria das semibreves e a alegria das colcheias...
Contudo, ninguém é idóneo de matar a minha felicidade. Ninguém me faz desistir por ser fraqueza. Afinal, quem se encontra do meu lado? Quem quer pelejar por um Mundo melhor? Benvindo, amigo, se não quiseres sobreviver e optares por viver na loucura... Benvinda, Princesa, se quiseres partir na aventura...


Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos).

Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.

Miguel Torga - 1962

quinta-feira, janeiro 12, 2006

Sombra do Beijo

De mãos dadas, vagueamos na rua
Presos às palavras que ambos dizemos...
Nem sequer notamos que o momento que se oculta
É o refúgio daquilo que ambos sabemos...

Será a sombra do beijo
Que, no silêncio, se quer soltar?
Será a sombra do beijo?

Desvendamos segredos escondidos no pó,
Enquanto deambulamos no outro lado do Mundo.
E o tempo prende-se na solidão das palavras
Como se fosses Princesa e eu, vagabundo...

Será a sombra do beijo
Que, no silêncio, se quer soltar?
Será a sombra do beijo?

As horas passam e os minutos evanescem,
Enquanto realçamos o que ambos sabemos.
E os sorrisos fugazes que desvanecem
São a senha daquilo que juntos seremos...

Será a sombra do beijo
Que, no silêncio, se quer soltar?
Será a sombra do beijo?

João Garcia Barreto

Canção registada na Sociedade Portuguesa de Autores

Canção de Engate

Tu estás livre e eu estou livre
E há uma noite para passar
Porque não vamos unidos?
Porque não vamos ficar
Na aventura dos sentidos?
Tu estás só e eu mais só estou
Que tu tens o meu olhar.
Tens a minha mão aberta
À espera de se fechar
Nessa tua mão deserta.

Vem, que o amor não é o tempo
Nem é o tempo que o faz.
Vem, que o amor é o momento
Em que eu me dou, em que te dás.

Tu, que buscas companhia
E eu, que busco quem quiser.
Ser o fim desta energia,
Ser um corpo de prazer,
Ser o fim de mais um dia.

Tu, que continuas à espera
Do melhor que já não vem
Que a esperança foi encontrada
Antes de ti por alguém
E eu sou melhor que nada...

Vem, que o amor não é o tempo
Nem é o tempo que o faz.
Vem, que o amor é o momento
Em que eu me dou, em que te dás...

António Rodrigues Ribeiro

Arlequim - O Anjo do Mar



Navegou os sete mares
E naufragou no teu olhar...
Perdeu-se na ilha dos amores
E ofereceste-lhe asas para voar.

Rastejaste-lhe até ao fim
Com o teu sorriso peculiar,
Riste do Arlequim
Que sorria ao sonhar...

E com as asas douradas,
Devolveste-lhe o respirar.
E quando voa, sobrevoa
No brilho do teu olhar.
E com as asas douradas,
Devolveste-lhe o respirar.
E quando voa, sobrevoa...
É o teu Anjo do Mar...

A magia da cor
Que faz os seus olhos relampejar,
Purificou a dor,
Prontificando-lhe o mar.

E com o rosto moldado,
Regressando sempre ao mesmo cais,
Parte para todo o lado
E amaina todos os vendavais.

E com as asas douradas,
Devolveste-lhe o respirar.
E quando voa, sobrevoa
No brilho do teu olhar.
E com as asas douradas,
Devolveste-lhe o respirar.
E quando voa, sobrevoa...
É o teu Anjo do Mar...

João Garcia Barreto

Canção registada na Sociedade Portuguesa de Autores
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quarta-feira, janeiro 11, 2006

Arte - O Sémen do Amor Mundano

A Arte é a palavra que respira num dicionário,
Que se esmera num livro de poesia.
É a sílaba pronunciada no silêncio plenário
Que a natureza demonstra por magia;

É o gemido de um piano sonâmbulo,
Que persegue na noite o sonhador;
É uma sóbria aresta de um triângulo,
Que a trigonometria desvenda sem pudor.

A Arte é uma lágrima no oceano
Dissipada por um anjo enfadonho;
É o sémen do amor mundano
Plantado nas planícies do sonho.

A Arte é a palavra transfigurada numa rosa,
Que transcende os feitiços do anoitecer.
É a casta beleza da poesia narrada em prosa,
Que interpela o sonhador ao amanhecer.

João Garcia Barreto

Canção registada na Sociedade Portuguesa de Autores

segunda-feira, janeiro 09, 2006

Beijo Escondido

Entoas no silêncio um poema sem cessar
E persigo as palavras que soltas na calçada.
Desvendo em cada sílaba um segredo por revelar
E um beijo que lateja na boca coutada.

Sim, eras tu que, sem saber, me beijavas
E entregavas ao vento o tempo que sonhavas.

Sussurras no silêncio uma sóbria semibreve
E persigo o compasso que serena a madrugada.
Desvendo em cada passo um abraço puro e breve
E um beijo velado na mão vedada.

Sim, eras tu que, sem saber, me beijavas
E entregavas ao vento o tempo que sonhavas.

João Garcia Barreto

Canção registada na Sociedade Portuguesa de Autores

sábado, janeiro 07, 2006

A Vida - A Arte Perene

A Vida é a arte que se espelha
No nosso planeta em movimento;
É a voz que se esmera
Nas teias de um amor sedento.

A Vida é o apelo escrito no mural
Pelo povo oculto na ausência de expressão;
É o manifesto do vulgo que craveja
Nas ruas em que se desenrola a revolução.

A Vida é a resistência de quem padece
Debaixo da intempérie da guerra,
De quem se imuniza no sonho indelével
Mesmo quando o dia encerra.

João Garcia Barreto

Canção registada na Sociedade Portuguesa de Autores

domingo, janeiro 01, 2006

Alma Perene

Desvendei-te nos montes que percorri,
Onde entoava o som eterno da poesia.
Entrizavas-te nas montanhas
De braços estendidos, desafiando a invernia.

Quanto te avistei nas avenidas desertas
Que percorria num sopro nevado,
Logo se fulgiu numa cálida melodia,
A magia que transporto para todo o lado.

E quando te pressenti nas lacunas da cidade,
Desemboquei num grito desenfreado,
Invertendo a efémera melancolia
No alento de um anjo emancipado.

Desvendei-te nas miragens do deserto,
Onde soavam acordes distorcidos,
Descolei da prisão do ignóbil medo,
Que, de mim, transbordava e melindrava os sentidos.

João Garcia Barreto

Canção registada na Sociedade Portuguesa de Autores