quinta-feira, dezembro 29, 2005

Beijo

Não posso deixar que te leve
O castigo da ausência,
Vou ficar a esperar e vais ver-me lutar
Para que esse mar não nos vença.
Não posso pensar que esta noite
Adormeço sozinho,
Vou ficar a escrever,
E talvez vá vencer
O teu longo caminho.

Quero que saibas
Que sem ti não há lua,
Nem as árvores crescem,
Ou as mãos amanhecem
Entre as sombras da rua.

Leva os meus braços,
Esconde-te em mim,
Que a dor do silêncio
Contigo eu venço
Num beijo assim.

Não posso deixar de sentir-te
Na memória das mãos,
Vou ficar a despir-te,
E talvez ouça rir-te
Nas paredes, no chão.
Não posso mentir que as lágrimas
São saudades do beijo,
Vou ficar mais despido
Que um corpo vencido,
Perdido em desejo.

Quero que saibas
Que sem ti não há lua,
Nem as árvores crescem,
Ou as mãos amanhecem
Entre as sombras da rua.

Leva os meus braços,
Esconde-te em mim,
Que a dor do silêncio
Contigo eu venço
Num beijo assim.

Pedro Abrunhosa

segunda-feira, dezembro 26, 2005

Ledo Hiato

De tez macia e lasciva,
Sorris à noite, no quarto, onde matizas a Primavera.
Disseminas, no soalho, as flores que amas
E escreves o adágio na atmosfera.
Semeias o viço das açucenas
E das puras acácias no Universo.
Prendes-me num beijo de uma semibreve
E estendo-me num esteiro de um verso.

E deixas-te ficar no ledo hiato,
Onde bailam anjos num silêncio lauto...

De tule pardo e liso,
Vagueias à noite, no quarto, onde o tempo permanece.
Contornas levemente a sombra que vês
E desenhas a Lua que evanesce.
Semeias o viço dos miósotis
E das puras azáleas na Utopia.
Enleias-me no regaço de um leito de seda
E perduro nos braços da Poesia.

E deixas-te ficar no ledo hiato
Onde bailam anjos num silêncio lauto...

Cedo-te a sidra no remanso dourado,
Cedes-me o suco de essência melada,
Brindamos ao Infinito num só trago...
Bebemos a seiva eternizada
Que produzes no quarto contemplado,
Onde deambulamos de mão dada.

E deixas-te ficar no ledo hiato,
Onde bailam anjos num silêncio lauto...
E deixas-te ficar aqui...

João Garcia Barreto

A pensar em ti...

Canção registada na Sociedade Portuguesa de Autores

sexta-feira, dezembro 23, 2005

Crónica do Lendário Sibilante

Mais um dia que finalizava e a avenida parecia dormir… A Lua abandonou a noite pluviosa e, mesmo assim, tinha de retornar ao refúgio, onde habito. Optei por deambular pelas lacunas da cidade, vasculhando-as… As pedras da calçada eram o veículo que, naquele instante, me transportava para o lugar, onde o Céu se une com a Terra e o tempo é imensurável.
A volúpia viperina espreitava pelos becos da avenida quase deserta. Disseminei resquícios do genuíno amor convertidos em retalhos de utopia na urbe ostracizada. As poças de água legadas pelas nuvens pluviosas eram lágrimas espraiadas pela natureza conspurcada pelos malefícios do ser humano.
No silêncio da noite, pensava nas aventuras que loucamente vivi e seguia estoicamente o rasto deixado pelo ensejo. Sibilava melodias sem fim na ânsia de preconizar o segredo que respirava na avenida, até que te observei no parapeito do postigo, onde plangias desenfreadamente. Perguntei-te porque carpias e encolheste os ombros, desviando o olhar que se intimidava. Insisti em questionar-te, desafiando o silêncio que teimavas em ocultar. Balbuciaste poucas palavras que revelavam o que escondias no teu vulnerável âmago e, abruptamente, abraçaste-me e refugiaste-te em mim.
Convidei-te para voar e, logo ali, estendeste-me a mão. Ergui os braços e seguraste-te no cós do meu corpo firmemente. Prestes, partimos… Enquanto sobrevoávamos o Mundo, o teu olhar resplandecia com a beleza inaudita daquilo que vias. Sorrias incessantemente, enquanto o ar puro da atmosfera bafejava no teu semblante.
Levei-te ao espaço, onde teimo em repousar e nele pousámos. Descobriste todos os segredos que armazenava no refúgio e penetraste-te nos meus sentidos, desvendando a melopeia latente em mim. Beijaste-me e gritaste perdidamente pelo perene amor como o verso do soneto eternizado pelo poeta.
As horas passaram e os minutos evanesceram... Entrizei-me novamente e prendeste-te em mim… Retornámos ao postigo, onde o teu esgar se vulnerou. Acariciei-o na candura do momento, prometendo que regressava nas noites incertas. De seguida, lacrimejaste profundamente, beijando-me as mãos e pediste-me em desespero que não partisse.
Perguntaste-me quem era… Olhei nos teus olhos e respondi: “Sibilante”...
Aquando adormeceste, deixei, no parapeito do postigo, as duas pedras que se complementam e parti como uma cotovia, infiltrando-me na infinita atmosfera, onde escrevi um adágio.

Irrompeu a aurora soberba... Entrizaste-te ledamente do leito de seda. O Sol erradiava e reflectia-se nos vidros da janela do espaço contemplado. Sentiste endogenamente a melopeia que compus no quarto, onde imunizaste as pedras que te leguei.
Enfim, abandonaste o lar, cotejando de novo o frenesim cotio que se vive constantemente na metrópole. Indagaste o nome das pedras legadas em cada passo que davas e em cada palavra que proferias e descobriste que necessitavas de uma chave que abrisse a caixa, onde o segredo se encontrava armazenado.
Procuraste a chave em cada lacuna da cidade e constataste que só conseguirias desvendá-la se preconizasses a bela filantropia no mundo em que vives.
No final do dia, verificaste a saudade do tempo perdido na réstia do Sol, onde concluiste que a chave só poderia ser um substantivo abstracto, composto por quatro letras e capaz de abrir a porta do espaço mais intimo de ti.
Quando pousei no parapeito do postigo do quarto, abraçaste-me e pediste-me que revelasse o nome das pedras doadas. Respondi-te que só tu poderias desvendar o mistério no momento que vivíamos. Entregaste-te, assim, ao tempo num beijo desenfreado que desembocou num sorriso desenhado no teu rosto. Contei-te histórias sem fim, enquanto bebias as palavras em tragos lentos e osculavas-me só com o olhar.
Entrizei-me do leito macio, onde aconchegávamos o corpo e a alma e desloquei-me ao parapeito no intuito de te evidenciar que as pedras fulgiam e a Lua sorria no manto de estrelas que cobria a cidade cansada.
Por fim, trocámos o último olhar na madrugada, onde leste o nome das pedras legadas que se complementam e interpelaste-me antes de partir: “ Sibilante, é o sonho que comanda a vida? “
Beijei a tua mão e respondi na candura do momento: “ Sim, a vida pode ser aquilo que sonhamos...”

João Garcia Barreto

A ti...

Palavras Nunca Antes Ditas

Tudo o que se sobressai da utopia que advogo
Não é mais do que um substrato do tempo que vivi,
Como a lágrima vertida na atmosfera onde vogo
Não é mais do que um piano pungente que tange por ti…
E as mãos que, na solidão, se intimidam,
Que se desertificam aquando o tempo evanesce
Não são mais do que as palavras nunca antes ditas
E veladas num âmago isolado que entorpece…

Por isso, vem… que a saudade não desvanece…
Vem… que o tempo permanece…
E prende-me em ti…

Tudo o que se ocultava no silêncio temível
Não era mais do que a soturna certeza
Que teimava em calcular pela matemática falível
Nos teoremas esotéricos da imensurável natureza.
E se, novamente, me vires assim, imerso no pensamento,
Pensa que emergi do livro do cepticismo filosófico
Escrito pelas mãos da poesia na candura do tempo
E do exagero desenfreado de um amor platónico.

Por isso, vem… que a saudade não desvanece…
Vem… que o tempo permanece…
E prende-me em ti…

João Garcia Barreto

Canção registada na Sociedade Portuguesa de Autores

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Doce Ensejo

Insurge-se, o ensejo, no silêncio do tempo
E a mão aberta que se quer fechar,
Enquanto dançamos na avenida
Antes da manhã regressar...
Desvendo o desejo que se oculta em ti
Na solidão das palavras que recitas
E prendo-me nas teias dos sorrisos
Que, na avenida, dissipas.

E a noite evanesce...
E o tempo permanece em mim...

E se a Lua adormecer,
Sei que me beijas ao amanhecer...
E se o Sol despertar,
Sei que a mão se vai fechar...

Sibila na avenida o doce desejo,
Que se oculta no sopro do vento
E persigo as palavras que soltas
E que balançam no momento.

João Garcia Barreto

Canção registada na Sociedade Portuguesa de Autores

sábado, dezembro 10, 2005

Intróito

Das tuas mãos de vidro, carregadas
De jóias tilitantes e doentes,
Das palavras que trazes afogadas,
Das coisas que não dizes mas entendes.

Do teu olhar virado às madrugadas
De fantásticos e exóticos orientes,
Do teu andar de tule, das estocadas
Dos gestos que não fazes mas que sentes.

Dos teus dedos sinistros, de tão brancos,
Dos teus cabelos lisos, de tão brandos,
Dos teus lábios azuis, de tanta cor,

É que me vem a fúria de bater-te,
É que me vem a raiva de morder-te,
Meu amor! Meu amor! Meu amor!

José Carlos Ary dos Santos

domingo, dezembro 04, 2005

Eufemismo da Memória

Sei que desdenho o que é inútil
E a sabedoria de um lacrau fútil,
Que esbanja demagogia
Nos dias de romaria...
Sei que desdenho o lugar,
Onde se perde tempo a escutar
As verborreias tão exíguas
Ditas por mentes não ambíguas...

Sei que desdenho o consumismo
Que corrobora o materialismo
E toda a instância do Poder
Que transfigura o ser...

Isto é só o materialismo da história,
O eufemismo da memória...

Ai, Portugal,
Por onde me levas...

João Garcia Barreto

Canção Registada na Sociedade Portuguesa de Autores