sábado, fevereiro 28, 2009

Refúgio - Para Sempre

A noite adormecia no crepúsculo da manhã
E tu dormias, Princesa, no aconchego do divã,
Onde ousavas viajar sobre o segredo que o mar
Armazenou em mim.
Descobrias que o que vias, era o cimo de uma hera,
Que floria a saudade em tons de Primavera
E eternizava os dias no asilo onde viverias
A sonhar sempre assim…
Entrizaste-te, enfim, do aconchego do divã
E revelaste o que observaste, roendo uma maçã…
Estendeste a tua mão, senti a pulsação,
És parte de mim…
Revelei-te que o horizonte é o fim ecuménico,
Que o lugar onde vives é só um espaço cénico
E o mito que guardamos, é aquilo que sonhamos
Num mundo assim…

Em ti pousei, em ti repousei…
Eis o refúgio que desvendei…
Sei voar, sei flutuar,
Sou um anjo vivo no teu olhar.

Ledamente, o dia surgiu na manhã já despida,
E tu estranhavas, Princesa, a madrugada vivida
No enleio que se eterniza no tempo que se imuniza,
Para sempre, aqui…
Soubeste perguntar onde guardava a magia,
Disse que não sabia sequer onde a escondia,
Pediste-me um beijo, realizei o desejo
Do ensejo sem fim…
Insurgiste-te, no adeus, com o teu jeito peculiar,
Disseste que um anjo sabe sempre regressar,
Osculaste a minha mão, sentiste a pulsação,
Sou parte de ti…
Disseste que esperavas com as mãos abertas
Prometi que regressava nas noites incertas,
Peguei na poesia e na mais bela melodia
E parti assim…

Texto de João Garcia Barreto

quarta-feira, fevereiro 25, 2009

Senta-te Aí

Está na hora de ouvires o teu pai
Puxa para ti essa cadeira
Cada qual é que escolhe aonde vai
Hora-a-hora e durante a vida inteira.

Podes ter uma luta que é só tua
Ou, então, ir e vir com as marés
Se perderes a direcção da Lua
Olha a sombra que tens colada aos pés.

Estou cansado. Aceita o testemunho
Não tenho o teu caminho para escrever
Tens de ser tu, com o teu próprio punho
Era isto o que te queria dizer.

Sou uma metade do que era
Com mais outro tanto de cidade.
Vou-me embora que o coração não espera
À procura da mais velha metade.

Texto de João Monge

Parabéns, Grande Pai

domingo, fevereiro 22, 2009

Eufemismo da Memória

Sei que desdenho o que é inútil
E a sabedoria de um lacrau fútil,
Que esbanja demagogia
Nos dias de romaria...
Sei que desdenho o lugar,
Onde se perde tempo a escutar
As verborreias tão exíguas
Ditas por mentes não ambíguas...

Sei que desdenho o consumismo
Que corrobora o materialismo
E toda a instância do Poder
Que transfigura o ser...

Isto é só o materialismo da história,
O eufemismo da memória...

Ai, Portugal,
Por onde me levas...

Texto de João Garcia Barreto

quarta-feira, fevereiro 18, 2009

Um Homem Como Eu

Imagina um homem como eu...
Não eu!
Um homem como eu, magro e grisalho...
Desses que até um véu dá de agasalho.
Não eu... mas um homem como eu
Que ama a fragilidade da lua e a tristeza das flores,
De todas as flores por causa tua
Podes tentar...

Imagina um homem como eu...
Não eu! Que ama com as mãos e com a voz
E, meu Deus, como são as tuas mãos...
São as mãos que todos nós – os homens como eu
Beijamos só de olhar,
Olhamos só de amar...
As mãos da mulher amada
São de ficar de mão dada, comendo um gelado,
Olhando o céu dos pardais...
Não eu! Que sou dos tais tão difíceis de gostar,
Mas um homem como eu
Feito só de imaginar.

Imagina um homem como eu...
Não eu!
Mas um homem que de seu
Tem o medo inicial
Da corrida das crianças
E o vermelho facial
Das primeiras danças a dois,
Quando sorris...
Mas que, depois, se deixa sempre levar
Por tudo o que tu lhe dás.
Vá, diz! Amar um homem como eu,
Eras capaz?

João Monge

segunda-feira, fevereiro 16, 2009

No Voo de Um Anjo

Da janela do quarto,
A tua fobia suspirava...
Esperavas pelo anjo,
Que tardava.
E dos jardins de Éden,
Irrompe num voo inaudito,
O anjo que aguardavas
No teu lugar interdito.

E no silêncio do quarto,
Só o teu esgar não negou
A Eternidade de um beijo
De quem ao momento se entregou.
E com o desvelo de um abraço
De um anjo eterno que voou,
Imunizaste no leito
O amor que, no quarto, deixou.

No voo de um anjo,
Onde flutuavas,
Desarvorou a dolência
Que tanto exorcizavas.
E no parapeito do postigo,
Lá se despediu
O teu anjo perene
Que só o teu olhar viu.

Texto de João Garcia Barreto


A canção pode ser escutada aqui

quinta-feira, fevereiro 12, 2009

Foz do Teu Olhar



Perdi-me no silêncio que se estendia
Na serra que cobre o Douro,
Quando a tarde se fez no Sol que se abria
E matizava o chão de ouro.

Perdias-te na saudade que se avizinhava
Ou na aventura que vivias
E, a cada palavra da canção que ocultava,
Simplesmente, sorrias...

E, no ledo passeio,
O beijo foi o ensejo que o tempo escondia...
E, no Molhe deserto,
Abracei-te quando o âmago dizia:

Escondo o Porto na voz,
Quando abraço o mar...
Eis o Mundo que desemboca na Foz do teu olhar.


Texto de João Garcia Barreto
Fotografia de Vanessa Pelerigo

segunda-feira, fevereiro 09, 2009

Crónica do Lendário Sibilante



Mais um dia que finalizava e a avenida parecia dormir… A Lua abandonou a noite pluviosa e, peremptoriamente, retornei ao refúgio, vasculhando as infinitas lacunas da cidade. A volúpia viperina espreitava pelos becos da avenida quase deserta, enquanto disseminava resquícios do amor genuíno, convertidos em retalhos de utopia na urbe ostracizada.
No silêncio da noite, pensava nas aventuras que, loucamente, vivi e seguia, estoicamente, o rasto deixado pelo ensejo. Sibilava melodias sem fim na ânsia de preconizar o segredo que respirava na avenida e vislumbrei-te no parapeito do postigo, onde, desenfreadamente, plangias. Perguntei-te porque carpias e encolheste os ombros, desviando o olhar que se intimidava. Insisti em questionar-te, cotejando o silêncio que teimavas em ocultar. Balbuciaste escassas palavras que revelavam o que ocultavas no âmago vulnerável que, ainda, possuis e, instantaneamente, enleaste o regaço de um abraço profundo.
Convidei-te para voar e, abruptamente, estendeste-me a mão. Ergui os braços e seguraste-te, firmemente, no cós do corpo de plumas. Prestes, partimos… Voámos sobre o Mundo e a beleza inaudita daquilo que vias e do ar puro da atmosfera que bafejava no semblante que sorria.
Levei-te ao espaço, onde teimo em pousar. Deslindaste todos os segredos que armazenava no refúgio, escutando os ecos da melopeia latente em mim. Após um ósculo demorado, clamaste, perdidamente, pelo perene amor como o verso do soneto eternizado pelo poeta.
As horas passam e os minutos esvaecem... Retornámos ao postigo, onde o teu esgar se vulnerou e, na candura do momento, acariciei-o, prometendo que regressava nas noites incertas. Na terna despedida, lacrimejaste, profundamente, rogando, em desespero, que não partisse. Perguntaste-me quem era… Olhei diante dos teus olhos e respondi: “Sibilante”.
Quando adormeceste, deixei, no parapeito do postigo, as duas pedras que se complementam e parti como uma cotovia, infiltrando-me na infinita atmosfera, onde se encontra o adágio que escrevi.
Irrompeu a soberba aurora... Arvoraste-te, ledamente, do leito de seda. O Sol erradiava e reflectia-se na vidraça da janela e, endogenamente, sentias a melopeia composta no quarto contemplado, onde imunizaste as pedras legadas.
Enfim, abandonaste o lar, cotejando, de novo, o frenesim cotio que se vive, constantemente, no âmago citadino. Indagaste o nome das pedras legadas em cada passo que davas e, em cada palavra que proferias, percebias que necessitavas de uma chave que abrisse a porta do espaço, onde o segredo se encontrava armazenado. Procuraste a chave em cada lacuna da cidade, constatando que, somente, conseguirias desvendá-la se preconizasses a filantropia no Mundo.
No final do dia, a saudade do tempo vivido suspirava na réstia do Sol e concluíste que a chave só poderia ser um substantivo abstracto, composto por quatro letras e idónea de desenredar o segredo do nome das duas pedras que tanto observavas.
No regresso ao parapeito do postigo do quarto, entregavas-te ao tempo no beijo desenfreado que desembocou no sorriso desenhado no semblante que observava. Contei-te histórias sem fim, enquanto bebias as palavras em tragos lentos.
Entrizei-me do leito macio, onde aconchegávamos o corpo e a alma e apontei para o parapeito. As pedras fulgiam e a Lua sorria no manto de estrelas que cobria a cidade cansada.
Por fim, trocámos o derradeiro olhar na madrugada, onde leste o nome das pedras doadas que se complementam e, antes de partir, interpelaste-me: “ Sibilante, é o sonho que comanda a vida? “
Beijei a tua mão e respondi: “ Sim, a vida pode ser o que sonhamos...”

Texto de João Garcia Barreto
Pintura a Aguarela, gentilmente, cedida por Cristina Huertas

quinta-feira, fevereiro 05, 2009

Arauto de Éden



De tanto sobrevoar,
Indaguei uma lacuna no Mundo,
Em cada espaço, uma candeia acesa...
Em cada toada, um grito profundo...
Encontrei um postigo aberto
E pousei no parapeito.
Soltei um sopro nevado,
Logo, surgiu o esgar desfeito.
Porque planges na madrugada?
Porque deturpas a alvorada?

Sou um arauto de Éden
Que, no teu quarto, veio repousar.
E desvendo o horizonte
No esplendor do teu olhar.
Escuta a doce melopeia,
Que sibila dentro de ti,
Torna perene o tempo
E a missiva que deixo aqui.

Texto de João Garcia Barreto
Fotografia de Miguel Rezende

Em memória do meu avô, Joaquim Barreto...

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Advogo

Advogo a filantropia,
Não ignoro a caducidade.
Observo o Mundo de noite e de dia
E vejo sempre a claridade.

Não advogo a retórica,
Nada é objecto de persuação.
A política é alérgica à filosofia,
É uma plutocracia sem razão,
Uma demagogia que pantomina
Numa sociedade sem propensão…

Advogo o teu ser,
A tua luz que me ilumina
E a tua arte escondida
Numa quimera genuína…

Advogo o que existe
Na mente que incita
O amor que se esconde
Na alma inaudita.

Advogo a candura do vento,
Que bafeja o que não é banal,
Nasce nos confins da Utopia,
Suaviza a cegueira infernal
E traça a linha longa do horizonte
Na plenitude do pantanal.


Texto de João Garcia Barreto

terça-feira, fevereiro 03, 2009

Doce Ensejo

Insurge-se o ensejo, no silêncio do tempo
E a mão aberta que se quer fechar,
Enquanto dançamos na avenida
Antes da manhã regressar...
Desvendo o desejo que se oculta em ti
Na solidão das palavras que recitas
E prendo-me nas teias dos sorrisos
Que, na avenida, dissipas.

E a noite esvaece...
E o tempo permanece em mim...

E se a Lua adormecer,
Sei que me beijas ao amanhecer...
E se o Sol despertar,
Sei que a mão se vai fechar...

Sibila na avenida o doce desejo,
Que se oculta no sopro do vento
E persigo as palavras que soltas
No ledo balanço do momento.

Texto de João Garcia Barreto

domingo, fevereiro 01, 2009

Que Linguagem Tem o Teu Coração Que Não o Entendes?



A aurora insurge-se na melodia da Primavera que o Sol, ledamente, assobia. Nem o indesejado som do motor dos carros dispersos pela rua contrafaz o belo canto que escuto na manhã clara. Nem as palavras descrevem o beijo que, no silêncio, se quer soltar, quando o âmago se entrega à aventura, deleitando-se na loucura. E, assim, anseio-te em qualquer lugar, onde deixas tanto de ti...
Que linguagem tem o teu coração que não o entendes? Sei que me respiras. Pressinto-te aqui... Sente-me... Pressente-me... Que o âmago saiba aventurar-se no Mundo.


Texto e Fotografia de João Garcia Barreto