sexta-feira, janeiro 28, 2005

Espalhem a Notícia

Espalhem a notícia
do mistério da delícia
desse ventre
espalhem a notícia do que é quente
e se parece
com o que é firme e com o que é vago
esse ventre que eu afago
que eu bebia de um só trago
se pudesse.

Divulguem o encanto
do ventre do que canto
que hoje toco
a pele onde à tardinha desemboco
tão cansado
esse ventre vagabundo
que foi rente e foi fecundo
que eu bebia até ao fundo
saciado

Eu fui ao fim do Mundo
eu vou ao fundo de mim
vou ao fundo do mar
no corpo de uma mulher
vou ao fundo do mar
no corpo de uma mulher bonita

A terra tremeu ontem
não mais do anteontem
pressenti-o
o ventre de que falo como um rio
transbordou
e o tremor que anunciava
era fogo e era lava
era a terra que abalava
no que sou

Depois de entre os escombros
ergueram-se dois ombros
num murmúrio
e o sol como é costume foi um augúrio
de bonança
sãos e salvos felizmente
e como o riso vem ao ventre
assim veio de repente
uma criança

Falei-vos desse ventre
quem quiser que acrescente
da sua lavra
que a bom entendedor meia palavra
basta é só
adivinhar o que há mais
os segredos dos locais
que no fundo são iguais
em todos nós.

Sérgio Godinho

domingo, janeiro 23, 2005

Blood Brothers

We played king of the mountain out on the end
The world come chargin' up the hill and we were women and men
Now there's so much that time, time and memory fade away
We got our own roads to ride and chances we gotta take
We stood side by side each one fightin' for the other
We said until we died we'd always be blood brothers

Now the hardness of this world slowly grinds your dreams away
Makin' a fool's joke out of the promises we make
And what once seemed black and white turns to so many shades of gray
We lose ourselves in work to do and bills to pay
And it´s ride, ride, ride and there ain't much cover
With no one runnin' by your side my blood brother

On through the houses of the dead past those fallen in their tracks
Always movin' ahead and never lookin' back
Now I don't know how I feel, I don't know how I feel tonight
If I've fallen 'neath the wheel, if I've lost or I've gained sight
I don't even know why, I don't know why I made this call
Or if any of this matters anymore after all

But the stars are burnin' bright like some mistery uncovered
I'll keep movin' through the dark with you in my heart
My blood brother.

Bruce Springsteen

A ti, Vasco...

quarta-feira, janeiro 19, 2005

Concurso Alarga a tua Vida

Convido-vos a visitar o site www.alargatuavida.com, onde poderão escutar o que armazeno em mim, nas secções Pop/Rock e World Music, e ainda a nova música que se arquitecta em Portugal.

segunda-feira, janeiro 17, 2005

O Zorro

Eu quero marcar um Z dentro do teu decote
Ser o teu Zorro de espada e capote
P'ra te salvar à beirinha do fim
Depois, num volte-face vestir os calções
Acreditar de novo nos papões
E adormecer contigo ao pé de mim.

Eu quero ser para ti a camisola dez
Ter o Benfica todo nos meus pés
Marcar um ponto na tua atenção.
Se assim faltar a festa na tua bancada
Eu faço a minha última jogada
E marco um golo com a minha mão.

Eu quero passar contigo de braço dado
E a rua toda de olho arregalado
A perguntar como é que conseguiu.
Eu puxo da humildade da minha pessoa
Digo da forma que menos magoa
«Foi fácil. Ela é que pediu!»

João Monge

terça-feira, janeiro 11, 2005

Refúgio - Para Sempre

A noite adormeceu no crepúsculo da manhã,
Enquanto dormias, Princesa, no aconchego do divã,
Onde ousaste viajar sobre o segredo que o mar
Armazenou em mim.
Descobriste que o que viste, era o cimo de uma hera,
Que floria a saudade em tons de Primavera
E eternizava os dias no lugar onde viverias
A sonhar sempre assim…
Entrizaste-te, enfim, do aconchego do divã
E revelaste o que observaste, roendo uma maçã…
Estendeste a tua mão, senti a pulsação,
És parte de mim…
Revelei-te que o horizonte é um traço ecuménico,
Que o lugar onde vives é só um espaço cénico
E o mito que guardamos, é aquilo que sonhamos
Num mundo assim…

Em ti pousei, em ti repousei…
Eis o refúgio que desvendei…
Sei voar, sei flutuar,
Sou um anjo vivo no teu olhar.

Revelei-te que o horizonte é uma linha infinita,
Que o lugar onde vives, já ninguém acredita,
E os trilhos que seguirás, serão retalhos de paz
Dissipados aqui…
Soubeste-me perguntar onde guardava a magia,
Disse que não sabia sequer onde a escondia,
Pediste-me um beijo, realizei o desejo
Do teu ensejo sem fim…
Insurgiste-te no adeus com o teu jeito peculiar,
Disseste que um anjo sabe sempre regressar,
Beijaste a minha mão, sentiste a pulsação,
Sou parte de ti…
Disseste que esperavas com as duas mãos abertas,
Prometi que regressava nas noites incertas,
Peguei na poesia e na mais bela melodia
E parti assim…

Canção registada na Sociedade Portuguesa de Autores

quinta-feira, janeiro 06, 2005

Advogo

Devido à alteração da melodia da canção, foi necessário modificar o poema da mesma.

Advogo a filantropia,
Não ignoro a caducidade.
Observo o Mundo de noite e de dia
E vejo sempre a claridade.

Não advogo a retórica,
Nada é objecto de persuação.
A política é alérgica à filosofia,
É uma plutocracia sem razão,
Uma demagogia que pantomina
Numa sociedade sem propensão…

Advogo o que existe
Na tua mente que incita
O amor que se esconde
Na tua alma inaudita.
Advogo o teu ser,
A tua luz que me ilumina,
A tua arte escondida
Numa quimera genuína…

Advogo a candura do vento,
Que bafeja o que não é banal,
Nasce nos confins da Utopia,
Suaviza a cegueira infernal
E traça a linha longa do horizonte
Na plenitude do pantanal.

Canção registada na Sociedade Portuguesa de Autores

segunda-feira, janeiro 03, 2005

O Retorno do Além

O Eça e o Pessoa
mandaram chamar o Pessa,
pois, além de ter sido
profissional exemplar
no mundo dos mortais,
estava recém-chegado
e por certo traria nos seus dados
notícias bem actuais.
Os três não pensaram mais
e puseram mãos à obra,
os outros poetas e artistas,
que a tudo assistiam,
ficaram entusiasmados
com tão audaz iniciativa
e, ao irem-se juntando aos primeiros,
começaram o que veio tornar-se
numa legião cultural do Além
que tinha por meta voltar
para uma temporada na Terra
para constatar in loco
as palavras assustadoras
do grande Fernando Pessa.
O Bocage era quem mais gozava
com toda a situação,
Camões olhava e não acreditava
nas histórias que Amália
com ele partilhou
e a confusão aumentou
quando os artistas irmãos
quiseram entrar.
Os colegas brasileiros
também choram a cultura
que a indústria conseguiu matar.
E Drummond pede ao Vinicius
que convide o Gonzaguinha
para que ele continue
escrevendo o que escrevia
quando ainda estava lá.
O Vasco Santana quis ir
e o António Silva também,
o Ary não podia faltar,
nem tão pouco o Tom Jobim.
Finalmente, veio o dia
em que tudo ficou preparado
e as almas dos artistas
fizeram o combinado,
voltaram todos à Terra
para verem como era
o que o Pessa lhes tinha contado.
E assim foi, meus amigos
de tudo aquilo que viram
ficaram horrorizados,
já não havia respeito,
já não havia amor,
não havia a inteligência
e as mediáticas vitórias
logradas pelos humanos
em maratonas ridículas
eram só mais um engano
na longa lista de fracassos
que temos para contar.
Viram televisão, andaram na multidão,
leram revistas e jornais,
ficaram a par dos mexericos no ar
e mais chocados ficaram
quando ligaram o rádio
à procura de ouvirem
a música que se faz por cá,
é que foi muito difícil
encontrar música portuguesa,
na elite das nossas rádios
o que é português não presta.
A ideia com que ficaram
de tudo o que apreciaram
foi que, por estranho que pareça,
nós não gostamos de nós!
O que viram foi uma nação adormecida,
dividida em ideias mesquinhas,
em um "salve-se quem puder"
sem destino, sem vontade própria, sem saída.
Laura Alves surpreendida
confessava a Dona Amélia
que estava louca por voltar ao Além,
pois este lugar já não era o dela.
Assim, depois de três dias
pesquisando o ambiente
decidiram ir embora
o mais depressa possível
e depois no paraíso,
numa sala reservada
para a expedição terrestre,
contaram as suas aventuras
e todos juraram então
ficarem sempre onde estão
e não voltarem à Terra.
É que agora o que era arte
é coisa desconhecida,
é uma palavra perdida
no nosso inconsciente
e até a própria cultura
anda à beira da loucura
e não é mais inteligente.

Fernando Girão