sábado, dezembro 27, 2008

Arte - O Sémen do Amor Mundano



A Arte é a palavra que respira no dicionário,
Que se esmera num livro de poesia.
É a sílaba pronunciada no silêncio plenário,
Que a natureza demonstra por magia.

É o gemido de um piano sonâmbulo,
Que persegue, na noite, o sonhador.
É uma sóbria aresta de um triângulo,
Que a trigonometria desvenda sem pudor.

A Arte é uma lágrima no oceano
Dissipada por um anjo enfadonho;
É o sémen do amor mundano
Plantado nas planícies do sonho.

A Arte é a palavra transfigurada numa rosa,
Que transcende os feitiços do anoitecer.
É a casta beleza da poesia narrada em prosa,
Que interpela o sonhador ao amanhecer.


Texto de João Garcia Barreto

Fotografia de Autor Desconhecido

Um poema escrito no ano 2004

terça-feira, dezembro 23, 2008

Legado pelo Inverno

Inverno não era mais do que um estrangeiro que estagiava em Lisboa durante três meses na era habitual e andava sempre ao ritmo do pêndulo de um relógio. Anunciou a sua chegada com o seu jeito genuíno, despedindo-se do Outono e assustando a velha cigarra. Parece que degustava o primeiro dia que passava no âmago lisbonino.
No dia seguinte, acordou tarde. Sentia-se um torpor indolente. Pegou na pequena alcofa que acarretou do Universo e abraçou o dia. Deambulou no Chiado que estremecia ao vê-lo passar e parou n’A Brasileira, onde cavaqueou com o poeta que se deleitava, como sempre, sentado à mesa da esplanada:
- Falta cumprir-se Portugal! – dizia incessantemente o poeta.
- Deves ter razão, caro amigo – respondia, desta forma, o Inverno.
O dia anoiteceu e o Inverno abandonou o poeta que insistia na mesma afirmação. Desceu pela Rua Garrett em direcção ao Rossio e passou as últimas horas na Avenida da Liberdade.
De madrugada, entrou sorrateiramente na maternidade, sibilando uma canção de embalar. Colocou minuciosamente a pequena alcofa numa cadeira junto à mesa de cabeceira do quarto que, fortuitamente, escolheu e pousou o rebento nos longos esteiros de uma mulher.

João Garcia Barreto

Aos meus pais pelo nascimento do primeiro filho...

sexta-feira, dezembro 19, 2008

Pedaço de Papel



As palavras escasseiam neste pedaço de papel nu. O que fazer, quando existem inúmeras coisas por dizer? O que dizer, quando a saudade contorna a ternura da candura do teu olhar em mim? A alma revela-se, inefavelmente, na terna ausência, onde respiro o ar legado pela atmosfera, enquanto este pedaço de papel se transfigura num simples gesto. E os sonhos corroboram a filantropia que transborda de mim. O que fazer, quando há mil e uma coisas por esbanjar? O que dizer, quando a eternidade tatua o tempo na alma doce e calma? O âmago imuniza, indelevelmente, o beijo e o abraço do regaço de quatro noites demoradas, enquanto este pedaço de papel é tudo aquilo que possuo para te lembrar...

Texto e Fotografia de João Garcia Barreto

terça-feira, dezembro 02, 2008

Parte de Mim


@Avenida dos Aliados - Porto

Onde estiveres, eu estou
Onde tu fores, eu vou
Se tu quiseres
Assim,
Meu corpo é o teu mundo,
Um beijo um segundo,
És parte de mim.

Para onde olhares
Eu corro,
Se me faltares
Eu morro
Quando vieres,
Distante
Solto as amarras,
E tocam guitarras por ti como dantes.

Agarra-me esta noite,
Sente tempo que eu perdi,
Agarra-me esta noite,
Que amanhã não estou aqui,
Agarra-me esta noite,
Sente tempo que eu perdi,
Agarra-me esta noite,
Que amanhã não estou aqui.

Texto de Pedro Abrunhosa
Fotografia de João Garcia Barreto

domingo, novembro 23, 2008

Anseio-te Em Qualquer Lugar


@Serralves

Anseio o Infinito desenhado no corpo
Coberto por um tule irisado...
Anseio o desejo que se estende no horizonte
Pintado num beijo demorado...
Anseio o desvelo que se espelha no abraço
Legado numa dança no Mundo...
Anseio o ensejo que se insurge no tempo
Matizado num gesto fecundo...

Anseio-te em qualquer lugar,
Onde deixas tanto de ti...
Quero-te, em mim, na leda madrugada,
Onde sintas, depois, o tempo que vivi...

Texto de João Garcia Barreto
Fotografia de Vanessa Pelerigo

segunda-feira, novembro 17, 2008

Jardim de Volta



Mãe,
Está na hora de te mostrar o que aprendi.
Diz-me se eu sei…
Diz-me se sentes…
Sei que não mentes. Foi o que herdei.
Mãe, está na hora de eu tratar de ti…

Mãe,
Põe uma echarpe.
Vou mostrar-te onde eu cresci…
Dá-me o teu braço,
Confia em mim…
Ainda te lembras do meu jardim?
Mãe, está na hora de eu te levar a ti…

Mãe,
Está na hora de te dar a vida inteira.
Ouve esta história que me ensinaste,
Está na memória de quem amaste.
Mãe, hoje eu acendo a lareira…

João Monge

Fotografia de João Garcia Barreto

Parabéns, Minha Mãe

domingo, novembro 09, 2008

O Suspiro do Tempo



Peço-te uma noite só aqui,
Onde tudo o que vês é metade de mim...
Quero-te numa noite só assim,
Onde serei, sempre, parte de ti...

Beijas-me na doce loucura
Que as mãos ocultam por entre os dedos...
Benvinda, se quiseres partir na aventura
E na candura dos gestos ledos.

Eis a tua canção na terna ausência...
O suspiro do tempo na profunda inocência...

Texto de João Garcia Barreto
Fotografia de Vasco Barreto

domingo, outubro 19, 2008

Esquiços


Numa folha em branco,
Matizo o sorriso que improvisas no jardim
E pinto a silhueta dos gestos das mãos brandas
E dos lábios frios que pousas em mim...
Numa folha em branco,
Realço o sexto sentido que, aqui, reconheces,
E rasuro o tempo que lateja nas mãos abertas
Que revelam aquilo que só tu conheces.

E, na noite, desenho o Mundo
Que forjámos num beijo profundo...
E, na noite, matizo o perene amor assim...

Esquiços de ti...

Texto e Fotografia de João Garcia Barreto

quarta-feira, outubro 08, 2008

Saudade



João Gil prepara-se para lançar um novo trabalho, contando sempre com o inseparável e sublime poeta, João Monge. Desde já, destaco duas grandes canções, "Hoy el Mar es mas Azul que el Cielo" e "2 Tempos", que poderão ser escutadas aqui.

Por agora, divulgo um dos poucos poemas escritos pelo próprio João Gil.

Há sempre alguém que nos diz: "tem cuidado".
Há sempre alguém que nos faz pensar um pouco.
Há sempre alguém que nos faz falta.
Ah! Saudade...


Chegou hoje no correio a notícia
É preciso avisar por esses povos
Que turbulências e ventos se aproximam
Ah! Cuidado...


Há sempre alguém que nos diz: "tem cuidado".
Há sempre alguém que nos faz pensar um pouco.
Há sempre alguém que nos faz falta.
Ah! Saudade...

Foi chão que deu uvas, alguém disse
Umas, porém, colhe-se o trigo, faz-se o pão
E se ouvimos os contos de um tinto velho
Ah! Bebemos a saudade...


Há sempre alguém que nos diz: "tem cuidado".
Há sempre alguém que nos faz pensar um pouco.
Há sempre alguém que nos faz falta
Ah! Saudade...


E vem o dia em que dobramos os nossos cabos
Da roca a S. Vicente em boa esperança
E de poder vaguear com as ondas
Ah! Saudades do futuro...


Há sempre alguém que nos diz: "tem cuidado".
Há sempre alguém que nos faz pensar um pouco.
Há sempre alguém que nos faz falta.
Ah! Saudade...


João Gil

Ao João Gil por saber preconizar a música portuguesa...

quarta-feira, outubro 01, 2008

Palavras Nunca Antes Ditas

Tudo o que se sobressai da utopia que advogo
Não é mais do que um substrato do tempo que vivi,
Como a lágrima vertida na atmosfera onde vogo
Não é mais do que um piano pungente que tange por ti…
E as mãos que, na solidão, se intimidam,
Que se desertificam aquando o tempo evanesce
Não são mais do que as palavras nunca antes ditas
E veladas num âmago isolado que entorpece…

Por isso, vem… que a saudade não desvanece…
Vem… que o tempo permanece…
E prende-me em ti…

Tudo o que se ocultava no silêncio temível
Não era mais do que a soturna certeza
Que teimava em calcular pela matemática falível
Nos teoremas esotéricos da imensurável natureza.
E se, novamente, me vires assim, imerso no pensamento,
Pensa que emergi do livro do cepticismo filosófico
Escrito pelas mãos da poesia na candura do tempo
E do exagero desenfreado de um amor platónico.

Por isso, vem… que a saudade não desvanece…
Vem… que o tempo permanece…
E prende-me em ti…

João Garcia Barreto

quinta-feira, setembro 11, 2008

Venham Mais Cinco

A relação antagónica entre a subida dos preços dos combustíveis e a descida do preço do petróleo demonstra a realidade de um país iníquo e soturno, onde a utopia pereceu...
A educação sucumbe-se pelo absentismo de valores e ideais da fraqueza de um governo, subsistindo no dilema da existência dos três tipos de professores: colocados, não colocados e mal colocados. Todavia, o Estado corrobora que possui o número de professores que necessita.
Os banqueiros martirizam o vulgo indigente com spreads exorbitantes e protegem, minuciosamente, as hipotecas contra a crise financeira do sub-prime, instalada no país dos cowboys, que ameaça invadir Portugal, indultando as dívidas das cigarras opulentas que exploram as formigas trabalhadoras.
Sobrevive-se, assim, no ciclo vicioso...

E, contra a escumalha e os abutres, marchar, marchar com a actual canção:

Venham mais cinco
Duma assentada
Que eu pago já
Do branco ou tinto
Se o velho estica
Eu fico por cá.

Se tem má pinta
Dá-lhe um apito
E põe-no a andar
De espada à cinta
Já crê que é rei
D'Aquém e D'Além Mar.

Não me obriguem
A vir para a rua
Gritar
Que é já tempo
D'embalar a trouxa
E zarpar.

A gente ajuda
Havemos de ser mais
Eu bem sei
Mas há quem queira
Deitar abaixo
O que eu levantei.

A bucha é dura
Mais dura é a razão
Que a sustem.
Só nesta rusga
Não há lugar
Pr'ós filhos da mãe.

Não me obriguem
A vir para a rua
Gritar
Que é já tempo
D'embalar a trouxa
E zarpar.

Bem me diziam
Bem me avisavam
Como era a lei
Na minha terra
Quem trepa
No coqueiro
É o rei.

A bucha é dura
Mais dura é a razão
Que a sustem.
Só nesta rusga
Não há lugar
Pr'ós filhos da mãe.


Não me obriguem
A vir para a rua
Gritar
Que é já tempo
D'embalar a trouxa
E zarpar.


José Afonso

domingo, agosto 31, 2008

Ledo Hiato


@ Marvão

De tez macia e lasciva,
Sorris à noite, no quarto, onde matizas a Primavera.
Disseminas, no soalho, as flores que amas
E escreves o adágio na atmosfera.
Semeias o viço das açucenas
E das puras acácias no Universo.
Prendes-me num beijo de uma semibreve
E estendo-me num esteiro de um verso.

E deixas-te ficar no ledo hiato,
Onde bailam anjos num silêncio lauto...

De tule pardo e liso,
Vagueias à noite, no quarto, onde o tempo permanece.
Contornas levemente a sombra que vês
E desenhas a Lua que evanesce.
Semeias o viço dos miósotis
E das puras azáleas na Utopia.
Enleias-me no regaço de um leito de seda
E perduro nos braços da Poesia.

E deixas-te ficar no ledo hiato
Onde bailam anjos num silêncio lauto...

Cedo-te a sidra no remanso dourado,
Cedes-me o suco de essência melada,
Brindamos ao Infinito num só trago...
Bebemos a seiva eternizada
Que produzes no quarto contemplado,
Onde deambulamos de mão dada.

E deixas-te ficar no ledo hiato,
Onde bailam anjos num silêncio lauto...
E deixas-te ficar aqui...


Texto de João Garcia Barreto
Fotografia de Vasco Barreto

sexta-feira, agosto 15, 2008

Bridge Over Troubled Water

When you're weary, feeling small,
When tears are in your eyes,
I will dry them all
I'm on your side.
when times get rough
And friends just can't be found,
Like a bridge over troubled water
I will lay me down.
Like a bridge over troubled water
I will lay me down.

When you're down and out,
When you're on the street,
When evening falls so hard
I will comfort you.
I'll take your part.
When darkness comes
And pain is all around,
Like a bridge over troubled water
I will lay me down.
Like a bridge over troubled water
I will lay me down.

Sail on silvergirl,
Sail on by.
Your time has come to shine.
All your dreams are on their way.
See how they shine.
If you need a friend
I'm sailing right behind.
Like a bridge over troubled water
I will ease your mind.
Like a bridge over troubled water
I will ease your mind.

Paul Simon

Dedico esta canção, que simboliza a Amizade, a ti, Vasco

Ver vídeo aqui

domingo, julho 20, 2008

Âmago



De braços abertos, voas na cidade
A cada sombra que vês,
Onde devoras o perfume lascivo
Do vento do ensejo na tez.

Beijas-me nas palavras que dizes
Em cada lugar que passas
E a avenida desentedia-se na canção
Do tempo eterno que abraças.

E suspiro enquanto suspiras...
E respiro quando respiras...

E, na cidade cansada,
O âmago que balança,
Ao ver-te, sorri...
E o corpo que baila
No Mundo que dança
Por ter-te aqui...


Texto de João Garcia Barreto
Fotografia de Desconhecido

sábado, julho 12, 2008

A Mulher da Minha Vida


Viver é apenas sobreviver por etapas, sentenciara o padre Angústias num dos nossos últimos encontros. Ao longo da minha vida tenho sido surpreendido pela lembrança das suas frases concisas e pela imagem do seu rosto severo de padre, professor e vigário da minha paróquia, versado em filosofia e lugares-comuns. Apesar da sua presença na minha juventude, nunca fui um homem religioso, pelo menos no sentido dado pela Igreja, nem tenho particular interesse pelos seus dogmas nem pelas suas causas. Vi-o sempre como um mestre e não como um sacerdote. As suas palavras eram fonte de ensinamentos e descoberta de vida. O padre ocupava na minha vida o lugar de um pai ausente.

Não sei explicar porque me ocorreu tudo isto agora, enquanto me dirijo para a Repartição a assobiar o bolero Aquellos Ojos Verdes, que ouvi tocar num baile, em Cacilhas, abrilhantado por uma banda de cinco músicos de olhar fantasma e expressão boémia. Talvez se deva aos avanços e recuos da minha vida, procurando sobreviver como um náufrago que nada apenas com um braço. O mais provável é que me lembre do padre Angústias como de um pai austero, mas presente e amigo de conversar. Tenho na ideia que ele e a minha mãe se conheceram bem melhor do que me quiseram fazer acreditar. Eram da mesma aldeia e de idade próxima. Mas isso agora não vem ao caso.

Subi até à minha sala de trabalho, uma divisão espaçosa com janelas altas viradas para a rua principal, equipada com quatro secretárias e respectivas cadeiras, uma mesa de apoio e dois armários arquivadores, um relógio de parede e um mapa do país pendurado num dos lados da sala. Entrei e cumprimentei os elementos da brigada.

– Bons dias!

– Bons dias, chefe!

Fui até à mesa de apoio e enchi uma chávena de café de balão. Sentei-me à secretária e voltei a folha do calendário: segunda-feira, Março, 1930. Dentro de dias completaria trinta e cinco anos de idade. Uma boa altura para fazer um balanço da vida. Mas eu não era guarda-livros, daí que balanços não fossem comigo. Era polícia, o que exigia outro desembaraço físico e mental. Lembrei-me de Rosarinho, da vontade que tinha de reencontrá-la, embora há muito desconhecesse o seu paradeiro. Não era um caso de polícia, mas um caso de amor e um desejo pessoal. Um amor como aquele que tínhamos vivido não é coisa que se esqueça de um dia para o outro. Mesmo que o tempo e a distância o reduza na memória ao formato de um retrato, como aquele que guardo na carteira.

© António Garcia Barreto

sábado, julho 05, 2008

Horizonte em Mim




Tento ler o céu a cada segundo do tempo que te espero, percebendo que as palavras se encontram espraiadas no Universo. Penso-te no silêncio dos gestos que faço só para te ter sempre em mim. As horas passam, os minutos evanescem e abraço-te para sempre. Quando o dia oscula a noite, desejo-te, profundamente, no tempo que vivo e, preso a ti, percebo que tu és o horizonte em mim...

João Garcia Barreto

terça-feira, junho 10, 2008

Refúgio



A noite adormecia no crepúsculo da manhã
E tu dormias, Princesa, no aconchego do divã,
Onde ousavas viajar sobre o segredo que o mar
Armazenou em mim.
Descobrias que o que vias, era o cimo de uma hera,
Que floria a saudade em tons de Primavera
E eternizava os dias no asilo onde viverias
A sonhar sempre assim…
Entrizaste-te, enfim, do aconchego do divã
E revelaste o que observaste, roendo uma maçã…
Estendeste a tua mão, senti a pulsação,
És parte de mim…
Revelei-te que o horizonte é o fim ecuménico,
Que o lugar onde vives é só um espaço cénico
E o mito que guardamos, é aquilo que sonhamos
Num mundo assim…

Em ti pousei, em ti repousei…
Eis o refúgio que desvendei…
Sei voar, sei flutuar,
Sou um anjo vivo no teu olhar.

Ledamente, o dia surgiu na manhã já despida,
E tu estranhavas, Princesa, a madrugada vivida
No enleio que se eterniza no tempo que se imuniza,
Para sempre, aqui…
Soubeste perguntar onde guardava a magia,
Disse que não sabia sequer onde a escondia,
Pediste-me um beijo, realizei o desejo
Do ensejo sem fim…
Insurgiste-te, no adeus, com o teu jeito peculiar,
Disseste que um anjo sabe sempre regressar,
Osculaste a minha mão, sentiste a pulsação,
Sou parte de ti…
Disseste que esperavas com as mãos abertas
Prometi que regressava nas noites incertas,
Peguei na poesia e na mais bela melodia
E parti assim…

Texto e Fotografia de João Garcia Barreto

sábado, maio 17, 2008

Portugal, Portugal



Tiveste gente de muita coragem
E acreditaste na tua mensagem
Foste ganhando terreno
E foste perdendo a memória

Já tinhas meio mundo na mão
Quiseste impor a tua religião
E acabaste por perder a liberdade
A caminho da glória

Ai, Portugal, Portugal
De que é que tu estás à espera?
Tens um pé numa galera
E outro no fundo do mar
Ai, Portugal, Portugal
Enquanto ficares à espera
Ninguém te pode ajudar

Tiveste muita carta para bater
Quem joga deve aprender a perder
Que a sorte nunca vem só
Quando bate à nossa porta

Esbanjaste muita vida nas apostas
E agora trazes o desgosto às costas
Não se pode estar direito
Quando se tem a espinha torta

Ai, Portugal, Portugal
De que é que tu estás à espera?
Tens um pé numa galera
E outro no fundo do mar
Ai, Portugal, Portugal
Enquanto ficares à espera
Ninguém te pode ajudar

Fizeste cegos de quem olhos tinha
Quiseste pôr toda a gente na linha
Trocaste a alma e o coração
Pela ponta das tuas lanças

Difamaste quem verdades dizia
Confundiste amor com pornografia
E depois perdeste o gosto
De brincar com as tuas crianças

Ai, Portugal, Portugal
De que é que tu estás à espera?
Tens um pé numa galera
E outro no fundo do mar
Ai, Portugal, Portugal
Enquanto ficares à espera
Ninguém te pode ajudar

Jorge Palma

"Finalmente", foi premiado.

domingo, maio 04, 2008

Beijo Escondido

Entoas, no silêncio, um poema sem cessar
E persigo as palavras que soltas na calçada.
Desvendo, em cada sílaba, um segredo por revelar
E um beijo que lateja na boca coutada.

Sim, eras tu que, sem saber, me beijavas
E entregavas, ao vento, o tempo que sonhavas.

Sussurras, no silêncio, uma sóbria semibreve
E persigo o compasso que serena a madrugada.
Desvendo, em cada passo, um abraço puro e breve
E um beijo velado na mão vedada.

Sim, eras tu que, sem saber, me beijavas
E entregavas, ao vento, o tempo que sonhavas.

João Garcia Barreto


A canção pode ser escutada aqui.

sexta-feira, abril 25, 2008

Viva a Liberdade

A primeira senha:

E Depois do Adeus

Quis saber quem sou
O que faço aqui
Quem me abandonou
De quem me esqueci
Perguntei por mim
Quis saber de nós
Mas o mar
Não me traz
Tua voz.

Em silêncio, amor
Em tristeza e fim
Eu te sinto, em flor
Eu te sofro, em mim
Eu te lembro, assim
Partir é morrer
Como amar
É ganhar
E perder

Tu vieste em flor
Eu te desfolhei
Tu te deste em amor
Eu nada te dei
Em teu corpo, amor
Eu adormeci
Morri nele
E ao morrer
Renasci
E depois do amor
E depois de nós
O dizer adeus
O ficarmos sós

Teu lugar a mais
Tua ausência em mim
Tua paz
Que perdi
Minha dor que aprendi
De novo vieste em flor
Te desfolhei...
E depois do amor
E depois de nós
O adeus
O ficarmos sós

José Niza

A segunda senha:

Grândola Vila Morena

Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade
Dentro de ti, ó cidade
O povo é quem mais ordena
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena

Em cada esquina, um amigo
Em cada rosto, igualdade
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada rosto, igualdade
O povo é quem mais ordena

À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
Jurei ter por companheira
Grândola, a tua vontade
Grândola, a tua vontade
Jurei ter por companheira
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade

José Afonso


Outros poemas, outras canções de Abril:

Trova do Vento Que Passa

Pergunto ao vento que passa
Notícias do meu país
E o vento cala a desgraça
O vento nada me diz
O vento nada me diz


Pergunto aos rios
Que levam tanto sonho à flor das águas
E os rios não me sossegam
Levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
Ai, rios do meu país
Minha pátria à flor das águas
Para onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhas
Pede notícias e diz
Ao trevo de quatro folhas
Que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa
Por que vai de olhos no chão.
Silêncio, é tudo o que tem
Quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos direitos
E ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada
Ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
Nos braços em cruz do povo.

Vi minha pátria na margem
Dos rios que vão pró mar
Como quem ama a viagem
Mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(Minha pátria à flor das águas)
Vi minha pátria florir
(Verdes folhas verdes mágoas).

Manuel Alegre

A Cantiga É Uma Arma

A cantiga é uma arma
E eu não sabia
Tudo depende da bala
E da pontaria
Tudo depende da raiva
E da alegria
A cantiga é uma arma
De pontaria.

Há quem cante por interesse
Há quem cante por cantar
E há quem faça profissão
De combater a cantar
E há quem cante de pantufas
Para não perder o lugar.

A cantiga é uma arma
E eu não sabia
Tudo depende da bala
E da pontaria
Tudo depende da raiva
E da alegria
A cantiga é uma arma
De pontaria.

O faduncho choradinho
De tavernas e salões
Semeia só desalento
Misticismo e ilusões
Canto mole em letra dura
Nunca fez revoluções

A cantiga é uma arma
Contra quem?
Contra a burguesia
Tudo depende da bala
E da pontaria
Tudo depende da raiva
E da alegria
A cantiga é uma arma
De pontaria

Se tu cantas a reboque
Não vale a pena cantar
Se vais à frente demais
Bem te podes engasgar
A cantiga só é arma
Quando a luta acompanhar.

A cantiga é uma arma
Contra quem?
Contra a burguesia
Tudo depende da bala
E da pontaria
Tudo depende da raiva
E da alegria
A cantiga é uma arma
De pontaria

Uma arma eficiente
Fabricada com cuidado
Deve ter um mecanismo
Bem perfeito e aliado
E o canto de uma arma
Deve ser bem fabricado

José Mário Branco


Viva a Liberdade...

Obrigado a todos aqueles que lutaram pela liberdade de expressão, de agir, de lutar e de sonhar...

Aos neófitos da minha tenra idade, deixo o seguinte alvitre: Atenção! Cuidado com o abuso da Liberdade. Não destruam o que a geração de Abril conquistou por nós...

sexta-feira, abril 18, 2008

No Voo de Um Anjo

Da janela do quarto,
A tua fobia suspirava...
Esperavas pelo anjo,
Que tardava.
E, dos jardins de Éden,
Irrompe num voo inaudito,
O anjo que aguardavas
No teu lugar interdito.

E, no silêncio do quarto,
Só o teu esgar não negou
A Eternidade de um beijo
De quem ao momento se entregou.
E, com o desvelo de um abraço
De um anjo eterno que voou,
Imunizaste no leito
O amor que, no quarto, deixou.

No voo de um anjo,
Onde flutuavas,
Desarvorou a dolência
Que tanto exorcizavas.
E, no parapeito do postigo,
Lá se despediu
O teu anjo perene
Que só o teu olhar viu.

João Garcia Barreto


A canção pode ser escutada aqui

sábado, abril 12, 2008

Canto Moço

Somos filhos da madrugada
Pelas praias do mar nós vamos
À procura de quem nos traga
Verde oliva de flor no ramo
Navegamos de vaga em vaga
Não soubemos de dor nem mágoa
Pelas praias do mar nós vamos
À procura da manhã clara

Lá do cimo duma montanha
Acendemos uma fogueira
Para não se apagar a chama
Que dá vida na noite inteira
Mensageira pomba chamada
Companheira da madrugada
Quando a noite vier que venha
Lá do cimo duma montanha

Onde o vento cortou amarras
Largaremos pela noite fora
Onde há sempre uma boa estrela
Noite e dia ao romper da aurora
Vira a proa minha galera
Que a vitória já não espera
Fresca brisa, moira encantada
Vira a proa da minha barca

José Afonso

domingo, março 30, 2008

Cruz Alta

Ficou a promessa,
Onde o Céu se une com a Terra,
Tão perto da Lua que regressa
Aos encantos do palácio e da serra.

Ficou a promessa,
Lá no cume, onde Deus pousou,
Tão perto do Sol que regressa
Aos braços de quem ressuscitou.

E só a morte, por ser forte,
Matará o sonho
Preso naquele lugar.
E só a morte, por ser forte,
Matará quem
Viu ali o teu olhar...


João Garcia Barreto

sábado, março 08, 2008

Manhã



Manhã, que em ti encerra
Este mar que não se altera,
Este vento na galera
Que teima em ti pousar.

Madrugada, de repente
Sou pássaro sou gente,
Tão distante e nunca ausente
E teimo em ti pousar.

Mulher, minha alvorada
Tu és o vento que tarda,
Por ti pouso o cansaço
Na verdade de um poema
Na mentira de um abraço,
Teu leito é o meu regaço
Eu quero assim ficar.

Barco que torna ao porto
No teu corpo eu me aporto,
Aí fico e me recordo
E teimo em ti pousar.

Neblina, despertada
Tão leve quanto a espada,
Que se bate por tudo e nada
E teima em ti pousar.

Mulher, minha alvorada
Tu és o vento que tarda,
Por ti pouso o cansaço
Na verdade de um poema
Na mentira de um abraço,
Teu leito é o meu regaço
Eu quero assim ficar.

Na verdade de um poema
Na mentira de um abraço,
Meu leito é o teu regaço
Eu quero assim ficar.

Pedro Abrunhosa

Fotografia de Vanessa Pelerigo

quinta-feira, fevereiro 28, 2008

Da Condição Humana

Todos sofremos.
O mesmo ferro oculto
Nos rasga e nos estilhaça a carne exposta.
O mesmo sal nos queima os olhos vivos.
Em todos dorme
A humanidade que nos foi imposta.
Onde nos encontramos, divergimos.
É por sermos iguais que nos esquecemos
Que foi do mesmo sangue
Que foi do mesmo ventre que surgimos.

José Carlos Ary dos Santos

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

O Amor Não Se Empresta




E o tempo que sentes,
Preso no silêncio das mãos prementes
É tudo aquilo que nos resta...
Tu sabes: “O Amor não se empresta...”


João Garcia Barreto


Fotografia de João Garcia Barreto

segunda-feira, fevereiro 11, 2008

Foz Do Teu Olhar



Perdi-me no silêncio que se estendia
Na serra que cobre o Douro,
Quando a tarde se fez no Sol que se abria
E matizava o chão de ouro.




Perdias-te na saudade que se avizinhava
Ou na aventura que vivias
E, a cada palavra da canção que ocultava,
Simplesmente, sorrias...



E, no ledo passeio,
O beijo foi o ensejo que o tempo escondia...
E, no Molhe deserto,
Abracei-te quando o âmago dizia:

Escondo o Porto na voz,
Quando abraço o mar...
Eis o Mundo que desemboca na Foz do teu olhar.

Texto e Fotografias de: João Garcia Barreto

terça-feira, janeiro 08, 2008

Eufemismo da Memória

Os desusados idealistas partidários são, actualmente, condenados pelos seus próprios partidos, sendo obrigados a dissertar as suas opiniões políticas nos media. Os partidos já não possuem ideais e reflectem, hoje, a demagogia com mais vigor. O dinheiro é, indubitavelmente, o fruto mais apetecido pelos políticos que governam um país iníquo, cuja maioria dos seus habitantes pátrios se encontram entorpecidos e imersos num absentismo de ideais e de sonhos.
O Exmo. Sr. Primeiro-Ministro não é, definitivamente, o Robin dos Bosques e, segundo a comunicação social, não é, também, engenheiro.
A Exma. Sra. Ministra da Educação pretende que sejam os professores a limpar as salas de aulas e as instalações sanitárias das escolas públicas do ensino básico, promovendo o desemprego das tarefeiras.
Os tribunais hibernam. No entanto, continua, por parte dos magistrados, a pesquisa incessante de salas para armazenar mais um número significativo de processos sem julgamento, dado à escassez das mesmas, ignorando o pó sobre os dossiers dos esquecidos casos judiciais. Decerto que a Exma. Sra. Ministra da Educação apresentará a solução para este problema do Ministério da Justiça, podendo até solicitar aos professores a limpeza do pó sobre os referidos dossiers, já que os indivíduos visados terão funções acrescidas.
Contudo, isto é só o eufemismo da memória. Resta-me parafrasear a parábola cómica: " e o contribuinte paga isso?! E o burro sou eu?! E o ruim sou eu?!

Muda-se o Governo e... a sociedade é aquilo que se vê...

Sei que desdenho o que é inútil
E a sabedoria de um lacrau fútil,
Que esbanja demagogia
Nos dias de romaria...
Sei que desdenho o lugar,
Onde se perde tempo a escutar
As verborreias tão exíguas
Ditas por mentes não ambíguas...

Sei que desdenho o consumismo
Que corrobora o materialismo
E toda a instância do Poder
Que transfigura o ser...

Isto é só o materialismo da história,
O eufemismo da memória...

Ai, Portugal,
Por onde me levas...

João Garcia Barreto