segunda-feira, maio 02, 2005

A Melopeia da Lua

Não há dias nem noites sem fim no Mundo, mas, de facto, todos os dias e noites são perenes em Éden. Os anjos não possuem relógio ou outro tipo de bens materiais que controlam o tempo, pois, simplesmente, usufruem de poderes feéricos e idóneos de eternizar momentos.
E num dia sem fim, o silêncio de Lisboa estendia-se pela madrugada, onde sobrevoava de asas implumes sem destino. Pressenti um lamento de uma criança oriundo de um quarto qualquer, aquando a cidade se abrigava nos enormes braços da Lua.
Persegui o som pueril já entranhado em mim e descobri um postigo aberto, onde pousei. Espreitei sorrateiramente e encontrei-a envolta nos lençóis do leito, onde plangia desenfreadamente. A criança assustou-se aquando viu um vulto que nunca tinha observado. Pedi-lhe que se acalmasse, estendendo a minha mão imune e, logo, o seu tormento estagnou.
Perguntei-lhe o seu nome e, abruptamente, respondeu-me que se chamava João. Revelou-me que, naquela noite, os seus entes queridos discutiram fervorosamente e, logo, percebi a vil tristeza que nele se acomodava. Acalmei-o para não se preocupar, assegurando que nada iria acontecer após o sucedido.
À medida que o tempo passava, o João ficava mais sereno… Interpelou-me no intuito de querer saber quem era e, de seguida, segredei que era um anjo noctívago, filho da Areia e do Mar, que sobrevoava os cantos da noite que o Mundo teimava em ocultar e revelei os poderes feéricos que possuía e a missiva esotérica que transportava. João ficou fascinado com aquilo que contava. O seu olhar radiava… Pedi-lhe que não revelasse o segredo, pois a sua magia dissipava-se no tempo e nem a memória conseguiria salvaguardá-lo. Receosamente, João prometeu-me que não revelava a missiva nem sequer os poderes feéricos que possuía e regressou ao leito, cobrindo-se com os lençóis, onde entorpeceu na acalmia da madrugada. Despedi-me, aquando fechou os olhos, sussurrando: “Eu sou o Sibilante e eu e tu somos iguais…” Enfim, parti, assobiando baixinho a melopeia que a Lua me ensinou.
Aquando despertou, João encontrava-se mais ledo, pois tudo se serenou no novo dia e, sem perceber, sibilava a mesma melopeia.

João Garcia Barreto

2 comentários:

sombra_arredia disse...

É um texto pintalgado de imagens
...quase k dá vontade de o pintar.


(Pintei-o,como prometido)
;)

Anónimo disse...

E eu que nunca descobri o silêncio de Lisboa...

C.