quinta-feira, março 24, 2005

Lágrimas tudo

Só de pensar amor, como se o procurasse,
encheram-se-me os olhos de humidade.
Exactamente os mesmos olhos, a mesma fonte, se buscasse
fitá-los na outra face,
do ódio, da violência, da impiedade.

Porquê, lágrimas tudo?

Faz chorar o menino quando nasce,
e o homem quando morre.
E a desumana voz que grita: Faça! - e faz-se,
e a outra, a que nos fala, e em doce tom discorre.
E as equações diferenciais do espaço,
e os três metros quadrados de uma cela.
E a truculenta família do palhaço,
e a fétida ninhada da cadela.
E as aguarelas frescas da manhã,
e o lápis de carvão da sombra traiçoeira.
E os burgueses do Rodin,
e os robertos da feira,
e a Capela Sistina,
e os bonecos de barro de Barcelos,
e a menina de vidro, opalescente e fina,
e a velha bruxa de excrementos nos cabelos.

Tudo, lágrimas tudo.
Porquê, lágrimas tudo?

António Gedeão

3 comentários:

Night Swimmer disse...

E as lágrimas que afloram ao ler este poema...

O genial Gedeão, único e doce!

sombra_arredia disse...

O "mistério" está em ver o mundo sem lágrimas...

Anónimo disse...

As lágrimas que tantas vezes são o único paralelismo entre o pensar-se a morte logo saber-se que se vive.

C.