sexta-feira, dezembro 23, 2005

Crónica do Lendário Sibilante

Mais um dia que finalizava e a avenida parecia dormir… A Lua abandonou a noite pluviosa e, mesmo assim, tinha de retornar ao refúgio, onde habito. Optei por deambular pelas lacunas da cidade, vasculhando-as… As pedras da calçada eram o veículo que, naquele instante, me transportava para o lugar, onde o Céu se une com a Terra e o tempo é imensurável.
A volúpia viperina espreitava pelos becos da avenida quase deserta. Disseminei resquícios do genuíno amor convertidos em retalhos de utopia na urbe ostracizada. As poças de água legadas pelas nuvens pluviosas eram lágrimas espraiadas pela natureza conspurcada pelos malefícios do ser humano.
No silêncio da noite, pensava nas aventuras que loucamente vivi e seguia estoicamente o rasto deixado pelo ensejo. Sibilava melodias sem fim na ânsia de preconizar o segredo que respirava na avenida, até que te observei no parapeito do postigo, onde plangias desenfreadamente. Perguntei-te porque carpias e encolheste os ombros, desviando o olhar que se intimidava. Insisti em questionar-te, desafiando o silêncio que teimavas em ocultar. Balbuciaste poucas palavras que revelavam o que escondias no teu vulnerável âmago e, abruptamente, abraçaste-me e refugiaste-te em mim.
Convidei-te para voar e, logo ali, estendeste-me a mão. Ergui os braços e seguraste-te no cós do meu corpo firmemente. Prestes, partimos… Enquanto sobrevoávamos o Mundo, o teu olhar resplandecia com a beleza inaudita daquilo que vias. Sorrias incessantemente, enquanto o ar puro da atmosfera bafejava no teu semblante.
Levei-te ao espaço, onde teimo em repousar e nele pousámos. Descobriste todos os segredos que armazenava no refúgio e penetraste-te nos meus sentidos, desvendando a melopeia latente em mim. Beijaste-me e gritaste perdidamente pelo perene amor como o verso do soneto eternizado pelo poeta.
As horas passaram e os minutos evanesceram... Entrizei-me novamente e prendeste-te em mim… Retornámos ao postigo, onde o teu esgar se vulnerou. Acariciei-o na candura do momento, prometendo que regressava nas noites incertas. De seguida, lacrimejaste profundamente, beijando-me as mãos e pediste-me em desespero que não partisse.
Perguntaste-me quem era… Olhei nos teus olhos e respondi: “Sibilante”...
Aquando adormeceste, deixei, no parapeito do postigo, as duas pedras que se complementam e parti como uma cotovia, infiltrando-me na infinita atmosfera, onde escrevi um adágio.

Irrompeu a aurora soberba... Entrizaste-te ledamente do leito de seda. O Sol erradiava e reflectia-se nos vidros da janela do espaço contemplado. Sentiste endogenamente a melopeia que compus no quarto, onde imunizaste as pedras que te leguei.
Enfim, abandonaste o lar, cotejando de novo o frenesim cotio que se vive constantemente na metrópole. Indagaste o nome das pedras legadas em cada passo que davas e em cada palavra que proferias e descobriste que necessitavas de uma chave que abrisse a caixa, onde o segredo se encontrava armazenado.
Procuraste a chave em cada lacuna da cidade e constataste que só conseguirias desvendá-la se preconizasses a bela filantropia no mundo em que vives.
No final do dia, verificaste a saudade do tempo perdido na réstia do Sol, onde concluiste que a chave só poderia ser um substantivo abstracto, composto por quatro letras e capaz de abrir a porta do espaço mais intimo de ti.
Quando pousei no parapeito do postigo do quarto, abraçaste-me e pediste-me que revelasse o nome das pedras doadas. Respondi-te que só tu poderias desvendar o mistério no momento que vivíamos. Entregaste-te, assim, ao tempo num beijo desenfreado que desembocou num sorriso desenhado no teu rosto. Contei-te histórias sem fim, enquanto bebias as palavras em tragos lentos e osculavas-me só com o olhar.
Entrizei-me do leito macio, onde aconchegávamos o corpo e a alma e desloquei-me ao parapeito no intuito de te evidenciar que as pedras fulgiam e a Lua sorria no manto de estrelas que cobria a cidade cansada.
Por fim, trocámos o último olhar na madrugada, onde leste o nome das pedras legadas que se complementam e interpelaste-me antes de partir: “ Sibilante, é o sonho que comanda a vida? “
Beijei a tua mão e respondi na candura do momento: “ Sim, a vida pode ser aquilo que sonhamos...”

João Garcia Barreto

A ti...

2 comentários:

Isabel disse...

Feliza Natal, João

CLÁUDIA disse...

Tenho andado desaparecida por falta de tempo, mas hoje tinha mesmo que vir cá para te desejar um NATAL excelente, cheio de paz, harmonia e felicidade.

Fica bem. Beijinhos ***