sexta-feira, março 13, 2009

Às Vezes, o Amor

-Que hei-de eu fazer
Eu tão nova e desamparada
Quando o amor
Me entra de repente
P´la porta da frente
E fica a porta escancarada?


-Vou-te dizer
A luz começou em frestas.
Se fores a ver
Enquanto assim durares
Se fores amada e amares
Dirás sempre palavras destas:


-Para te ter
E para que, de mim, não te zangues,
Eu vou-te dar
A pele do meu cetim
Coração carmesim
As carnes e, com elas, sangues.


Às vezes, o amor
No calendário,

Noutro mês, é dor,
É cego e surdo e mudo
O dia é tão diário

Disso tudo

-E se um dia a razão
Fria e negra do destino
Deitar mão
À porta à luz aberta
Que te deixe liberta
E do pássaro se ouça o trino:


-Por te querer
Vou abrir, em mim,

Dois espaços
Para te dar
Enredo ao folhetim
A flor ao teu jardim
As pernas e, com elas, braços.

Às vezes o amor
No calendário,

Noutro mês, é dor,
É cego e surdo e mudo.
O dia é tão diário disso tudo.


Mas se tudo tem fim
Porquê dar ao amor guarida?
Mesmo assim
Dá princípio ao começo
Se morreres só te peço:
Da morte volta sempre em vida.


Às vezes o amor
No calendário,

Noutro mês é dor,
É cego e surdo e mudo
O dia é tão diário disso tudo...

Texto de Sérgio Godinho

3 comentários:

Anónimo disse...

O texto é interessante.
O "sal" do mesmo aparece com a voz do Sérgio.

Anónimo disse...

Adoro este tema :)
bjs*

Anónimo disse...

Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que se ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade
É servir a quem vence o vencedor,
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade;
Se tão contrário a si é o mesmo amor?

(Luis de Camões)